Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Como reduzir a violência no Brasil?

É preciso identificar políticas efetivas de proteção social e de resolução de crimes

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Laura Schiavon

Doutora em economia (PUC-Rio), professora da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e especialista em avaliação de impacto de políticas públicas e desenvolvimento econômico

O Brasil é o país com maior número de homicídios no mundo. Com menos de 3% da população mundial, registrou cerca de 20% dos homicídios ocorridos em 2020, segundo dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

A violência afeta cotidianamente o bem-estar dos brasileiros e prejudica o desenvolvimento socioeconômico. A vitimização impõe custos diretos, como a deterioração da saúde mental, perdas salariais e a redução do acúmulo de capital humano, e custos indiretos àqueles próximos às vítimas. Somamos nessa contabilidade as privações, os investimentos individuais e o estresse associados ao medo de sofrer atos violentos. E, ainda, o custo das políticas públicas de redução da violência e de seus danos.

O impacto da violência é desproporcionalmente sentido pela população negra e de baixa renda. Mais de dois terços das vítimas de morte violenta intencional no Brasil em 2021 eram pretas ou pardas, como revelado pelo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A disparidade no acesso à segurança e justiça é um dos principais elementos da privação e da desigualdade de bem-estar no Brasil.

Laura Schiavon é doutora em economia (PUC-Rio), professora da UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora) e especialista em avaliação de impacto de políticas públicas e desenvolvimento econômico - Divulgação

A redução dos crimes violentos perpassa por dois grandes grupos de políticas públicas. O primeiro, políticas sociais e de renda que melhorem as condições de vida da população. O segundo, políticas de investimento e aprimoramento do sistema de justiça criminal para o aumento da capacidade de resolução de crimes violentos e a diminuição das falhas do sistema prisional. A efetividade dessas iniciativas é potencializada por ações de promoção da saúde mental, controle da circulação de armas e combate a tipos específicos de infração, como a violência de gênero e crimes ambientais.

Políticas sociais, em especial voltadas para crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social, integram a agenda prioritária de redução da violência. Elas impactam positivamente toda a sociedade por reduzir a probabilidade de ocorrência do crime e por seus efeitos positivos nas condições de vida dos beneficiados. Ainda, têm um custo baixo quando comparadas aos custos de policiamento, investigação, julgamento e encarceramento.

Evidências comprovam importante efeito preventivo de políticas de acesso à terapia, moradia, renda e saúde. Em estudo recente para o Brasil, Diogo Britto, Paolo Pinotti e Breno Sampaio avaliam que a demissão aumenta significativamente a probabilidade de infração, mas que esse efeito é anulado quando há o recebimento do seguro-desemprego.

Em conjunto com as políticas sociais, a redução da violência carece da adoção de medidas efetivas de investimento e aprimoramento da segurança pública, justiça criminal e execução penal. Essas ações podem afetar a probabilidade de resolução de crimes, a severidade da pena e a experiência dos indivíduos no sistema carcerário.

Esforços de aumento da capacidade de resolução de casos criminais se revelam, em muitos casos, eficazes na redução da violência. Por exemplo, experiências internacionais de aumento do efetivo policial e de adoção de tecnologias da informação para armazenamento de informações de infrações e construção de modelos preditivos. Em estudo desenvolvido por mim e por Claudio Ferraz, mostramos que o aumento da produtividade em varas judiciais é capaz de reduzir, de modo expressivo, a incidência de crimes violentos no estado de São Paulo. Para tanto, utilizamos rigorosas estratégias de avaliação de impacto para isolar o efeito da performance do judiciário, comparando localidades com características socioeconômicas e oferta de serviços públicos muito similares.

Por sua vez, o aumento da severidade da punição como saída para a violência deve ser relativizado. Por um lado, há evidências do efeito criminogênico da prisão, associado às condições do sistema prisional e ao processo de perda de capital humano e renda. Em alguns países, o uso de tornozeleiras eletrônicas se mostraram alternativas capazes de reduzir a reincidência criminal em relação à adoção de penas privativas de liberdade. Por outro lado, há evidências de que penas mais longas podem dissuadir as pessoas a cometerem atos ilegais e reduzir a reincidência, em especial durante o encarceramento. Não há evidências robustas favoráveis a mudanças legais mais drásticas, como a adoção de pena de morte ou redução da maioridade penal.

Em suma, a violência é um desafio social complexo, com múltiplas causas e repercussão intensa e capilarizada na sociedade. Não há bala de prata para executá-la. Ações ineficazes ou mal-sucedidas podem potencializar os custos sociais e econômicos já existentes. A adoção de políticas públicas realmente efetivas para a redução da violência carece da construção e utilização de evidências.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Laura Schiavon foi "Guerra batalha", do BaianaSystem.

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