Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Elena Landau diz que maior desafio hoje é combater a questão da desigualdade social

Para a economista, as políticas públicas que precisariam avançar são aquelas que permitem maior igualdade de oportunidade

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Elena Landau

Economista, mãe, avó, carioca, botafoguense, advogada e liberal; conselheira do Livres, do Museu Judaico de São Paulo e Inhotim; foi coordenadora do programa econômico da candidata Simone Tebet (MDB) na eleição presidencial.

Nesta entrevista, a economista Elena Landau apresenta sua avaliação do atual governo, discute algumas políticas públicas implementadas e traz um pouco do seu posicionamento em relação à diversidade e inclusão no país.

Elena, o que mais te orgulha em ser brasileira? É uma pergunta muito difícil de responder, porque uma coisa é o amor que eu tenho pelo meu país, que é separado do sentimento de orgulho. Eu tenho paixão pelo Brasil, por isso eu me envolvo em economia, em política, em políticas públicas. Mas orgulho, nesse momento, eu não consigo ter. Nós sempre falamos do Brasil pela ótica da cultura, da miscigenação, da natureza, da gentileza do povo e, neste momento, o que temos é uma depreciação da cultura brasileira, pouca ênfase na questão educacional, a natureza deixada de lado, a polarização da política, o excesso de violência — que tem deixado o brasileiro pouco cordial. Então para mim, não existe neste momento, motivo para ser orgulhosa. Fora isso, temos um quadro persistente de desigualdade estrutural, uma falta de mobilidade social, pouca ênfase na infância, tudo isso me deixa muito preocupada. Então eu continuo apaixonada pelo Brasil e tenho esperança de recuperar o orgulho.

A economista Elena Landau, 64, conselheira do Livres, do Museu Judaico de São Paulo e Inhotim; foi coordenadora do programa econômico da candidata Simone Tebet na eleição presidencial em 2022 - Divulgação

O que mais te entristece em nosso país? O que me deixa muito triste no Brasil é a gente cair nessa armadilha da polarização entre bolsonaristas e petistas, direita e esquerda. E nessa toada vemos mudanças radicais de políticas econômicas a cada governo, abandono de políticas públicas que dão certo porque ideologicamente foi um outro presidente que fez. Tudo isso mantém os níveis de desigualdade muito alto, com pouca ênfase na educação e com dificuldade de criar uma sociedade realmente inclusiva e diversa. Então, como superar esses impasses da polarização para que a gente consiga construir um país mais estável institucionalmente, mais diverso, mais inclusivo, mais social, mais justo, com maiores igualdades de oportunidade? O que me entristece é esse monte de oportunidade que o Brasil tem, mas não consegue aproveitar. A questão ambiental é muito evidente neste aspecto. Poderíamos estar no centro da discussão de transição energética e economia verde, mas a imagem do Brasil por anos foi a pior possível. Mas é uma área que se bem conduzida pode dar uma guinada rápida.

Como você avalia o atual governo? Onde precisa melhorar? Tem algo que você considera como positivo nesses meses iniciais? Eu acho que o atual governo está muito aquém das expectativas. Eu não esperava um grande avanço nas políticas públicas, por outro lado, esperava uma mudança na orientação da política econômica. Mas o que estamos vendo é uma paralisia de um governo que já completou 100 dias no poder e se propôs a poucas iniciativas. As iniciativas que o governo está tomando são para desmontar reformas institucionais que deram certo, como a lei das estatais, ou ainda o marco do saneamento, que tem um impacto social enorme e que está sendo reformulado para que possa acomodar de novo o interesse de empresas estaduais/estatais que não têm competência financeira para fazer o saneamento. Os antigos projetos foram recuperados sem incorporar as avaliações sobre a qualidade da política e sua eficiência: falo do Minha Casa, Minha Vida e o Bolsa Família. O Minha Casa, Minha Vida, do jeito que está só aumenta a segregação social, e o Bolsa Família pode fazer muito mais com os mesmos recursos.

Então o que podemos ver é uma questão política que passa à frente das necessidades sociais do Brasil. Mesmo na área da educação e do meio ambiente, não se vê nenhuma iniciativa concreta que não seja desmontar a herança da barbárie. Isso já é um grande avanço, mas não é suficiente. O positivo nesses meses iniciais é o afastamento do próprio Bolsonaro e a interrupção das políticas de destruição, como aconteceu na área da cultura, como aconteceu na área da educação e no meio ambiente. Mas eu espero uma agenda mais positiva, mais proativa e que o governo desista de desmontar coisas que funcionaram no passado — como ignorar a necessidade de equilíbrio fiscal — para que a gente possa de fato cumprir com a responsabilidade social que o Brasil precisa.

Em relação aos desafios sociais, quais seriam as políticas públicas que precisariam avançar? Acho que nosso maior desafio social é a questão da desigualdade e da mobilidade social. Então as políticas públicas que precisariam avançar são aquelas que permitem maior igualdade de oportunidade. O Brasil tem várias ideias nessa área, eu acho que falta uma boa avaliação de política pública para que a gente possa reproduzir aquilo que já deu certo, ao invés de a cada governo tentar inventar a roda.

Eu acredito que o principal desafio hoje é uma atuação em relação a primeira infância. O Brasil gasta muito com idoso, por conta do nosso sistema de previdência, e relativamente pouco com crianças. Gastar com crianças significa investir em políticas transversais, políticas de ação na violência doméstica, no saneamento, na nutrição, na saúde, no médico da família, para que esse cidadão que está começando sua vida possa fazer uma mudança na sociedade do futuro e, com isso, diminuir o fosso que existe entre classes sociais. Sem igualdade de oportunidade, nós não vamos conseguir que nenhuma política pública tenha o efeito duradouro que gostaríamos que tivesse. Não há meritocracia possível com um ponto de partida tão desigual.

A literatura empírica recente tem destacado os limites da educação na promoção de maior igualdade de oportunidades. O capital social e a discriminação, por exemplo, têm um papel não desprezível nos resultados alcançados na vida das pessoas. Nesse contexto, como gerar maior integração em uma sociedade segregada? Eu acho que a educação é um ponto de partida, e a educação, como eu falei, vem desde a primeira infância. Uma educação que permita acesso de igualdade entre classes e assim vamos interrompendo o padrão de reprodução de uma sociedade marginalizada. Sabemos que, casas onde a escolaridade dos pais é melhor, maior a capacidade de mobilidade.

Precisamos ter uma sociedade mais diversa e inclusiva, porque essa integração com meios diferentes, com diferente acesso à cultura, são muitos produtos que uma determinada população tem e a outra não tem, aprofunda o fosso, como bem mostrou a pandemia. Precisa aumentar contato social, a troca de experiências, o acesso a contatos sociais que ajudam no mercado de trabalho, tudo isso facilita e melhora a capacidade de mobilidade. Eu acho que isso passa muito por uma questão de economia urbana, por exemplo, o Minha Casa, Minha Vida. Não adianta reproduzir os problemas do passado: casas isoladas, longe de serviços públicos, falta de acesso ao mercado de trabalho e pessoas de uma classe de renda segregada em seu próprio espaço físico. Apesar de tudo, eu vejo isso com otimismo porque há um interesse crescente na discussão sobre integração urbana.

Até onde você acha que vai a responsabilidade individual e a coletiva nos resultados atingidos pelos brasileiros? Eu acho que a responsabilidade individual e coletiva é enorme, porque o brasileiro precisa atuar mais na demanda de questões que não sejam só de lobby. O brasileiro precisa entender que se um dia tivermos uma sociedade menos desequilibrada socialmente, mais diversa, mais justa e mais sustentável do ponto de vista ambiental, todos ganham na qualidade da economia.

Mas fora da economia, há a questão institucional também. As pessoas defendem mudanças institucionais desde que não mexam com o que se ganha, é o que acontece por exemplo com a reforma tributária. Essa reforma é fundamental para que exista um sistema mais simples e menos regressivo, mas determinados setores que pagam menos impostos —e que sabem que pagam muito abaixo da média— não querem mexer nos seus impostos, mas querem uma reforma tributária que simplifique a vida deles. Então há uma responsabilidade de todos. Quando falamos do marco de saneamento também: nós estamos deixando o marco do saneamento ser mudado por interesses paroquiais e a sociedade se mobiliza muito pouco para defender o ganho que aconteceu agora com o aumento expressivo do investimento privado e beneficia diretamente a população de baixa renda. O que eu vejo é que no dia a dia brasileiro, as pessoas estão cada vez menos interessadas em atuar na sociedade como um todo. É como se o brasileiro tivesse perdido aquela qualidade da solidariedade, eu não sei se isso vem da polarização política, ou se a polarização política começa pelos partidos e atinge os indivíduos, mas, de qualquer forma, é algo que precisamos interromper.

Como você avalia a política de cotas no ensino superior? De início, como uma liberal de carteirinha que sou, eu fui contra a política de cotas. Eu achava que precisávamos trabalhar na base, como eu falei, com a primeira infância, com a educação, para que não precisássemos de uma política de cotas que tenta minimizar os efeitos de uma entrada no sistema desequilibrada, tanto do ponto de vista racial como econômica. Mas eu mudei de ideia, eu sou a favor da política de cotas porque até as políticas na base fazerem efeito, mais gerações serão perdidas. Acho que ela teve um grande resultado, o problema é que ela não dá conta de tudo e não se pode abandonar as políticas na base, na entrada do sistema.

Você garante a entrada no ensino superior, mas tem um problema de acompanhamento e de sustentação dessas pessoas que não têm recursos para se dedicar apenas ao estudo. A questão do material didático, por exemplo, que às vezes é caríssimo, como é o caso de cursos como medicina. No setor público, você percebe que a participação de pessoas negras é pequena porque eles não têm condição financeira para ficar dois anos estudando para concurso. As estatísticas também mostram que a participação de negros é maior em faculdades onde o mercado de trabalho tem menos interesse. Então quando essas pessoas saem do ensino superior, nem sempre elas conseguem levar esse avanço que conseguiram nas cotas para o resto da vida. Eu acredito que elas precisam de um complemento para garantir de fato a eficácia da política de cotas, tanto com políticas públicas como com iniciativas privadas.

Acha que deveríamos expandi-la? Por exemplo, para pós-graduação e para o corpo docente das universidades? Eu não sou a favor de cotas para pós-graduação, nem para corpo docente. Eu sou a favor de que primeiro a gente consolide uma qualidade na política de cotas no ensino superior, para que de fato, pelos motivos que eu falei acima, as cotas no ensino superior tenham mais eficiência. A pós-graduação já é uma consequência natural da qualidade de uma política de cotas e o corpo docente também. Se a gente não atuar para melhorar a eficácia da política de cotas, criaremos cotas em todas as etapas da grade de educação, mas não vai resolver o problema estrutural básico.

Você atua em um meio que é predominantemente masculino. Isso te afetou de alguma maneira? Sente falta de maior diversidade nos lugares que frequenta? Olha, eu frequentei um meio predominantemente masculino, mas eu nunca tive problemas. Eu não sei se é por conta da minha personalidade, talvez porque eu fui criada numa família com três irmãos homens, mas não me afetou muito ser uma minoria em espaços majoritariamente ocupados por homens. E mesmo quando sofria algum tipo de discriminação, na maioria das vezes na forma de piadinhas, eu tinha condições socioeconômicas, aliada à minha personalidade, para reagir. Tanto que já aconteceu de eu recusar falar no Dia Internacional da Mulher porque eu achava que eu não tinha motivos, que não representava um grupo de mulheres efetivamente excluída do mercado de trabalho ou de fato discriminada na ascensão profissional. Sempre achei melhor dar espaço para pessoas que realmente precisavam de voz no Dia Internacional da Mulher, porque na minha geração a gente era contra a data, nosso discurso era de que não queríamos diferença de tratamento entre homens e mulheres. Hoje eu mudei de ideia, hoje eu acredito que precisamos de dias simbólicos como esse porque são nesses dias que a falamos dos problemas enfrentados pela mulher no mercado de trabalho, na violência doméstica, na cultura patriarcal brasileira, onde a divisão das tarefas é bastante desigual.

Nos lugares que eu frequento tem pouca diversidade, não por falta de oferta, eu sou de alguns conselhos e conheço nas áreas que eu trabalho de energia elétrica e infraestrutura, há enorme oferta de mulheres da maior competência. A possibilidade de diversidade é enorme, a oferta existe. O que eu acho é que há uma reprodução permanente de um preconceito de estereótipos femininos, que a gente precisa romper com isso.

Esse talvez seja o momento mais importante da entrevista: gostaria de saber um pouco mais sobre seu gosto musical. Existe alguma música que está mexendo contigo atualmente? Você tem algum estilo de música preferido? Meu gosto musical é completamente eclético, eu sou completamente apaixonada por música clássica, eu viajo para ouvir música clássica, assino canais de músicas, mas eu também adoro os clássicos americanos, eu não resisto a ouvir Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, adoro música brasileira. Nesse ano eu tive a oportunidade de ir ao show do Chico Buarque mais de uma vez, é um presente que ele deixa para todos nós, neste momento. Eu não tenho um estilo de música preferido, eu vou da bossa nova ao rock. Mas eu acho que se eu tiver que escolher, o que realmente mexe comigo seria a música erudita.

Por fim, gostaria de deixar alguma mensagem de esperança para os nossos leitores? Olha eu sou uma pessoa extremamente pessimista no momento, mas eu sou movida a esperança. Eu acho que o Brasil é fácil de ajustar. Já vimos várias vezes como somos capazes de sair de crises. A gente viu um governo acabar com a hiperinflação no Brasil, a gente viu um governo sem nenhuma credibilidade política, sem nenhum apoio, como o governo do Temer, ajustar a economia. O que falta fazer são mudanças estruturais na questão da produtividade, da inclusão, da diversidade, da mobilidade social e na agenda ambiental. Mas eu acho que isso está mudando, as pessoas estão mais conscientes dessa necessidade. Eu espero que após esse momento de paralisia do governo anterior, esses problemas estruturais sejam endereçados pelo governo atual e que a gente comece a pensar em um Brasil de longo prazo. Porque com uma boa qualidade de condução, a gente coloca esse país no futuro que ele merece.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Elena Landau foi "Clube da Esquina n° 2", de "Milton Nascimento".

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