Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

A burocratização do 'Sim'

A necessidade de pensar em processos que desafiam a evolução que poderíamos viver

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Eduardo Alves

É doutor e mestre em contabilidade e controladoria pela FEA-USP. Sócio da PwC. Advogado e contador. Consultor para indústria financeira. Professor no Insper

Se a burocracia atualmente cumprisse a mesma configuração de quando foi concebida, em teoria estaríamos em melhor situação. Isso porque, dessa forma, a burocracia voltaria a estar relacionada a um processo coeso de governança e não à ineficiência e proliferação de normas de necessidade duvidosa.

Dentre essas normas, há aquelas que se desenvolvem em função de costumes e outras que têm o objetivo de direcionar comportamentos.

Não haveria ameaça ao status quo se não existissem agentes desafiadores produzidos pela aleatoriedade. O contínuo questionamento do não" tem provocado mudanças e a complexidade do mundo atual adota facetas cada dia mais sofisticadas e inusitadas.

A matemática mais uma vez faz sentido e consegue codificar o mundo real, entre os números ‘zero’ e o ‘um’ há uma infinidade de possibilidades bem-vindas. A realidade que conhecemos tem incorporado essa perspectiva diversa e plural e nossos dogmas têm sido desafiados pela noção de alteridade. Esse desafio é necessário, uma vez que democratiza e deixa evidente que o mundo pertence a todos.

Eduardo Alves é doutor e mestre em Contabilidade e Controladoria pela FEA-USP. Sócio da PwC. Advogado e Contador. Consultor para indústria financeira. Professor no Insper
Eduardo Alves é doutor e mestre em Contabilidade e Controladoria pela FEA-USP. Sócio da PwC. Advogado e Contador. Consultor para indústria financeira. Professor no Insper - Divulgação

Aos poucos, o mundo vai deixando de ser como uma companhia fechada de controle concentrado e passamos a reconhecê-lo com a possibilidade de ser uma companhia aberta de controle difuso, e isso tem uma série de implicações.

Na premissa de que o certo é o benefício de todos, o processo burocrático teria como responsabilidade viabilizar e não inviabilizar, ser a estrutura que permite o "sim", e não aquela que disfarça o "não".

Nos últimos anos, é inegável que o acesso à tecnologia desburocratizou diversos processos e permitiu que o Estado tivesse a oportunidade de alcançar uma parcela significativa da população, também é importante lembrar que a outra parcela continua à margem.

Segundo estudo promovido por PwC e Instituto Locomotiva: "O Abismo Digital", há apenas 49,4 milhões de brasileiros que podem ser considerados plenamente conectados. Em oposição a esse número, temos 75,7 milhões de brasileiros considerados subconectados ou desconectados.

Em decorrência da limitação financeira, 95,7 milhões de brasileiros que possuem celular têm planos pré-pagos e precisam usar dados apenas dentro dos limites preestabelecidos —e as classes C, D e E representam 82% desse público. "Tem um Brasil que é próspero. Outro não muda", já cantava Elza Soares.

No Brasil, o índice de desenvolvimento humano é 0,754, ocupando a 87ª posição no ranking em 2021. Se considerarmos o Sertão Nordestino separadamente, o mesmo índice cai para 0,487 (IBGE e ONU), o que deixaria essa parcela da população em condições de desenvolvimento humano aquém, por exemplo, da Eritreia.

A burocratização do "sim" é a máscara simpática do "não": a inconveniente diferença entre ter direito subjetivo, expressado pela possibilidade de se pleitear algo, e ter um suposto pleito efetivamente materializado. Isso passa por problemas que atravessam nosso país, por meio de ferramentas de exploração e exclusão ligados ao nível de escolaridade, à desigualdade econômica, à conectividade precária e à cultura patriarcal e racista.

Nem mesmo Max Weber pensou que a autoridade seria legitimada por redes sociais digitais com alicerces no óbvio e superficial, que a baixa instrução e falta de propósito de seus operadores seriam um problema de ordem política, social e econômica, e que a tecnologia não seria uma aliada para que a burocracia hoje tivesse uma conotação positiva.

O processo de legitimação da autoridade precisa ser repensado, há necessidade de líderes conscientes e com propósito e a tecnologia tem que estar ao nosso lado. Assim, deixaremos de ser divididos entre o Brasil de Cobre e o Brasil de Lata. E, sejamos o Brasil de Todos.

O editor Michael França pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Eduardo Alves foi "Brasis" de Elza Soares.

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