Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública imigrantes

A educação de imigrantes internacionais na agenda de pesquisa e políticas públicas do Brasil

Para que os imigrantes não sejam alijados do processo de reconstrução da educação, é preciso que eles estejam presentes nas agendas de pesquisas e nas pautas das políticas públicas

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Zakia Ismail

é doutora em sociologia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e atua como docente e pesquisadora de políticas sociais, especialmente nas áreas de educação e proteção social

Desde os anos de 2010, a sociedade brasileira presencia um aumento considerável de fluxo de imigrantes internacionais em seu território. Diferente do que foi visto em outros momentos da nossa história desde a Proclamação da República, que primeiro contou um estímulo à imigração europeia, além da vinda de imigrantes japoneses e sírios libaneses, e depois com um longo período de emigração, atualmente, o cenário migratório indica presença marcante de sujeitos vindos de países do Sul global, em especial de países fronteiriços como Venezuela, e de outras regiões do continente americano, como Haiti.

O aumento dos fluxos migratórios para o Brasil repercutiu em várias dimensões e instituições sociais, dentre elas a educação básica. Segundo dados do Censo Escolar divulgado pelo INEP/MEC, em 2010, o total de matrículas de imigrantes era de pouco mais de 40 mil. No final do período, em 2019, havia mais de 105 mil imigrantes matriculados, configurando um aumento de mais de 160%.

Zakia Ismail é doutora em Sociologia pela UFMG e atua como docente e pesquisadora de políticas sociais, especialmente nas áreas de educação e proteção social
Zakia Ismail é doutora em Sociologia pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e atua como docente e pesquisadora de políticas sociais, especialmente nas áreas de educação e proteção social - Divulgação

A maior presença de imigrantes internacionais nas escolas, todavia, não garantiu que a temática adquirisse lugar na agenda de produção de conhecimento e de políticas educacionais na mesma proporção. No que se refere à produção de conhecimento, há uma escassez de trabalhos acadêmicos no país com olhar abrangente para as diferentes nacionalidades presentes no nosso sistema de ensino e que associam e utilizam diferentes técnicas de pesquisa, e são poucos os grupos investigados. Não há pesquisas sequer sobre estudantes de países com grande representatividade nos dados de matrículas do Censo Escolar, como ocorre com os colombianos e peruanos.

Estudos com diferentes métodos e análises de várias nacionalidades, de forma comparativa entre si e em relação aos brasileiros, somados às constatações particularizadas sobre cada grupo, conferem aprofundamento e promovem leituras que podem colaborar com a construção de evidências para a promoção de políticas educacionais para os imigrantes. Mas, para que a agenda de pesquisa seja consolidada e diferentes técnicas e abordagens metodológicas sejam viabilizadas, é preciso que o Estado Brasileiro invista e fomente registros e pesquisas sobre a população imigrante internacional nas escolas do país. A ausência de dados é o primeiro passo para a invisibilização de um grupo e o seu afastamento da garantia de direitos, enquanto a coleta inadequada das informações desse grupo é um forte indutor de desigualdade na oferta de políticas públicas. Enquanto a ausência de registro gera um apagamento do grupo perante o Estado, o cadastro equivocado de um imigrante, o não registro da sua condição de migrante ou até mesmo a indicação errônea do seu país de origem nas bases de dados é uma forma de negar a esse sujeito a sua própria história.

Um bom começo para a consolidação dos imigrantes internacionais seja na agenda de pesquisa ou como pauta das políticas educacionais é aprimorar os dados já existentes e ampliar as informações coletadas. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio da revisão dos itens do Censo Escolar sobre nacionalidade, e pela capacitação adequada dos secretários escolares, responsáveis pelo seu preenchimento. Certamente, o movimento do INEP em ampliar o acesso aos dados sigilosos de educação por meio da criação de núcleos em universidades públicas do país, em consonância com o Serviço de Acesso a Dados Protegidos – Sedap, como ocorreu recentemente na UFMG, colaborará e estimulará muitos pesquisadores a se dedicarem ao tema.

Além dos poucos dados existentes, também não há até o momento um esforço conjunto e coletivo de diferentes entes federados e setores da sociedade civil em construir orientações ou normativas nacionais que apoiem ou respaldem a comunidade escolar a lidar com esse novo cenário. O que temos visto na última década são iniciativas de alguns governos municipais e estaduais que, em face do aumento de fluxo de imigrantes em suas escolas, desenvolveram recursos pedagógicos para apoiar o processo de inclusão educacional dos imigrantes.

Para que os imigrantes não sejam alijados do processo de reconstrução da educação que estamos vivendo, é preciso que eles estejam presentes nas agendas de pesquisas e nas pautas das políticas públicas. Essa presença será importante não só para garantir o direito à educação às diferentes nacionalidades que migram para o Brasil, mas para apoiar professores, diretores e colegas brasileiros a acolher e orientar os estudantes em seu processo de escolarização.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Zakia Ismail foi Movimiento, de Jorge Drexler.

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