Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública Folhajus

Por uma ministra negra no STF e o racismo perpetrado pela esquerda brasileira

De qual lado a mulher negra precisará estar para não ser silenciada, mas vista como sujeito imprescindível para a construção de um país democrático?

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Keit Lima

Administradora com bacharel em direito e especialista em gestão pública, urbanista e cientista política

A campanha pela primeira ministra negra e progressista no Supremo Tribunal Federal escancarou algumas questões que, no contexto político e social atual do país, merecem nossa atenção e análise.

Com a iminente aposentadoria da ministra Rosa Weber, emergiu a necessidade que o presidente Lula nomeasse para a mais alta corte do Judiciário brasileiro uma mulher negra, progressista e comprometida com os direitos fundamentais da maioria da população. Diante dessa oportunidade histórica, o movimento negro com o respaldo de diversos outros movimentos sociais se engajou nessa luta, que para além de necessária, tendo em vista que em mais de 100 anos de existência, nenhuma mulher negra tenha ocupado uma cadeira no STF, é também uma forma de reparação histórica, uma vez que a construção desse país aconteceu pelo sangue e suor do trabalho e da resiliência dos povos negros, em especial das mulheres negras.

Keit é uma mulher negra, de cabelos escuros e pretos e olhos escuros. Na imagem, ela usa óculos de grau, brincos e uma blusa estampada.
Mulher preta, favelada, nordestina, ativista dos direitos humanos desde os 13 anos. Administradora com bacharel em direito e especialista em gestão pública, urbanista e cientista política - Divulgação

Diante de todo esse movimento democrático que busca o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, nos deparamos, sem surpresa, mais uma vez com o racismo. A diferença é que dessa vez, o racismo partiu daqueles que chamamos de "aliados", partiu de uma esquerda que considera tudo que não é sobre ela como identitário, de uma esquerda branca que se recusa a aceitar que nós chegamos para ficar e não daremos um passo para trás. Vale citar nesse momento, a grandiosa Sueli Carneiro, que em certa ocasião, afirmou: "Entre a esquerda e a direita, eu continuo sendo negra".

Essa afirmação, por vezes, me trouxe desconfortos, pois eu sempre enxerguei que a superação do racismo se daria pela via da esquerda e ainda acredito. Entretanto, consigo enxergar sentido, quando nos deparamos com pessoas brancas da esquerda ridicularizando o movimento negro que faz campanha para que o Presidente da República, homem branco, cumpra com o seu papel de refundar o país nomeando uma mulher negra como ministra do STF. De qual lado o povo negro precisará estar para ser respeitado e não sofrer violência racial? De qual lado a mulher negra precisará estar para não ser silenciada e violentada, mas vista como sujeito de potencial imprescindível para a construção de um país democrático e sem racismo?

O povo negro é maioria na população brasileira e fez a diferença quando decidiu no último pleito eleitoral, apoiar, fazer campanha e votar no Presidente Lula. Ora, se somos a maioria da população, se construímos esse país como nenhum outro povo, se estamos nos movimentos que ajudaram a eleger o Presidente e reduzir o risco de mais um golpe contra a nossa democracia, por qual motivo estamos equivocados ao fazer campanha para que apenas uma vaga entre os onze seja ocupada por uma mulher negra?

De mais a mais, cito ainda, Cida Bento, que em sua obra "O pacto da branquitude" bem diz: "É evidente que os brancos não promovem reuniões secretas às cinco da manhã para definir como vão manter seus privilégios e excluir os negros. Mas é como se assim fosse." Temos mulheres negras preparadas e juridicamente competentes para assumir o Supremo Tribunal Federal, mas não se trata disso, o que estamos vendo é a manutenção do privilégio branco e a perpetuação do racismo institucional de uma esquerda que não nos enxerga como pessoas capazes de ocupar posições de destaque, de prestígio e que requerem comprovado saber.

No mesmo raciocínio afirmo que essa luta pelos direitos das pessoas negras e a luta para que uma mulher negra progressista ocupe uma vaga no Supremo Tribunal Federal não nos coloca numa posição de "identitários", mas nos coloca justamente no lugar de luta pelos direitos da maioria da população brasileira, que é o povo negro.

Somos grandes, múltiplas, fizemos e seguimos fazendo a diferença em diversos espaços de poder e de manutenção do Estado Democrático de Direito: Marielle Franco, Benedita da Silva, Marina Silva, Leci Brandão, Carolina Maria de Jesus, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo, Erica Malunguinho, Erika Hilton, Theodosina Rosário Ribeiro, Silvio Almeida, Luiz Gama e tantos outros nomes. Com isso, temos a certeza de que quando ocupamos os espaços, ocupamos de fato e fazemos um excelente trabalho na luta pelos direitos das pessoas negras, dos pobres, dos favelados, da população LGBTQIAPN+, das trabalhadoras e dos trabalhadores do nosso país.

Por tudo isso, reivindicamos uma mulher negra progressista no Supremo Tribunal Federal e permaneceremos nessa luta - não seremos silenciados pelo racismo da direita e tampouco pelo racismo que permeia a esquerda brasileira.

Se é que existe reencarnações, eu quero voltar sempre preta

Carolina Maria de Jesus

Escritora

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Keit Lima foi "Canto da Revolução", interpretada por Doralyce.

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