Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública machismo

O mercado precisa voar como uma mulher

Construções sociais não impediram mulheres de entrar no mercado de trabalho, mas as mantêm em posição desvantajosa

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Roberta Andreoli

É advogada especializada em direito aeronáutico e regulatório, sócia fundadora do escritório de advocacia Leal Andreoli e diretora jurídica da ABOA (Associação Brasileira de Operadores Aeromédicos).

O sistema de gênero, entre muitas violências, produz desigualdades e qualifica o trabalho de homens e mulheres de formas distintas. Historicamente confinadas ao ambiente doméstico, as "atividades femininas", ainda que essenciais para a preservação e continuidade da vida, foram marcadas pela gratuidade e desvalorização.

Ao fabricar e reforçar comportamentos e habilidades como inerentes ao gênero, estereótipos mantêm muitas mulheres reféns de papéis relacionados ao cuidado. Essas construções sociais não nos impediram de entrar e aumentar nossa concentração no mercado de trabalho remunerado, mas, ainda hoje, nos deixam em desvantagem e nos relegam a posições subalternas.

Prova disso é que, de acordo com o Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), apenas 17% das brasileiras ocupam cargos de alta liderança. Quando a assunto é remuneração, mesmo trabalhando cinco horas a mais, vivemos uma disparidade de 22% em relação ao salário dos homens.

Mulher bramca e de cabelo longo e liso sorri
Roberta Andreoli é advogada, especializada em direito aeronáutico e regulatório, sócia fundadora do escritório de advocacia Leal Andreoli e diretora jurídica da Associação Brasileira de Operadores Aeromédicos - Divulgação

Dados do Instituto de Ipea (Pesquisa Econômica Aplicada) e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) evidenciam que ganhamos menos no exercício profissional e absolutamente nada pelas 24,1 horas semanais dedicadas ao trabalho doméstico que, inclusive, consome grande parte do nosso tempo e energia.

A questão se torna ainda mais complexa quando concluímos que nosso nível de escolaridade é maior e, como mostra a pesquisa "Gender Reversal on Career Aspirations", a importância que atribuímos ao sucesso profissional, também.

Na aviação, apesar de algumas evoluções, a presença masculina ainda é predominante: um levantamento da International Civil Aviation Organization mostrou que representamos 4,94% da força de trabalho global empregada no setor. A International Air Transport Association também destaca que apenas 6% dos chefes executivos de empresas aéreas são mulheres.

No Brasil, esse mercado que já é pequeno para profissionais brancas, é ainda menor para as negras. A Organização Quilombo Aéreo e a UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), por exemplo, demonstraram que não existem pilotas negras operando em linhas áreas nacionais e que as razões que desestimulam a concentração feminina no setor, estão: falta de informação sobre a carreira, baixa representatividade, processos seletivos desiguais, machismo e assédio.

Nesse cenário, vale mencionar, primeiro, que a construção social do feminino, às voltas com diversos sexismos, tenta nos aprisionar em uma série de características limitantes que, por consequência, restringem nossas escolhas e nos afastam de atividades dominadas por homens.

Mulheres não são biologicamente dóceis, propensas ao cuidado, cautelosas, entre outros absurdos. Somos, na verdade, ensinadas a reproduzir fabricações estereotipadas e punidas quando escapamos a elas. Mora, aí, o distanciamento em relação a algumas profissões. Afinal, sequer somos estimuladas a sonhar com ocupações que, por convenção social, foram designadas ao gênero masculino.

Temos, ainda, que lidar com os preconceitos e hostilizações do mercado, sobrecarga, precarização do trabalho e baixas perspectivas de crescimento.

Outro ponto é a sub-representação na política, que nos afasta de recursos essenciais para que a disparidade de gênero se torne um debate público central.

Para combater um caldo cultural pouco adepto à formação da diversidade, precisamos que governos e empresas desenvolvam políticas de inclusão, como está fazendo a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), que anunciou o lançamento de programa, em dezembro, para a ampliação da presença feminina no segmento.

Superar as barreiras impostas à nossa expansão no mercado de trabalho demanda políticas públicas de estímulo e de proteção ao direito das mulheres e, também, o comprometimento da iniciativa privada. Olhando para a aviação, é imprescindível que empresas aéreas se engajem e adotem práticas e diretrizes de fomento a essas profissionais.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha de S.Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Roberta Andreoli foi "Magamalabares", de Marisa Monte.

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