Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Quem se vê na publicidade? Desafios da representatividade e da representação continuam

A propaganda coloca a população negra como minoria sorridente sem fala em suas representações e isso é um problema

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Pablo Fernandes

Doutor em ciências da comunicação pela USP, atua como docente. É vice-líder do grupo de pesquisa em Comunicação, Raça e Gênero (Coragem).

Quando pensamos no debate racial, 2023 foi um ano de importantes conquistas, resultado de lutas históricas, como a volta do Ministério da Igualdade Racial, ainda que com tímido orçamento, e a atualização da Lei de Cotas para o acesso ao ensino superior.

Ao mesmo tempo, alguma barreiras persistem: o Brasil segue com alarmantes números de violência contra a população negra e a presença de pessoas negras nos espaços de poder ainda é desproporcional à realidade da nação. A composição do STF (Supremo Tribunal Federal) _e a mobilização histórica pela indicação de uma mulher negra à Corte_ é bom exemplo disso.

Em foto preta e branca, homem negro, de barba, sorri; ele veste camisa estampada
Pablo Moreno Fernandes é doutor em ciências da comunicação pela USP - Divulgação

Em 2019, no livro "Vozes Negras em Comunização", organizado pela pesquisadora Laura Guimarães Corrêa (UFMG), diversos autores escreveram sobre questões raciais nas práticas comunicativas. Em minha contribuição ao livro, escrevi o capítulo "É a representação da miscigenação, parem de problematizar": o racismo na circulação midiática da campanha de Natal Chester Perdigão".

O texto discutia campanha publicitária na qual eram representadas duas famílias e uma delas era beneficiada por ação social da marca. A família Silva recebia doação do Chester pela Perdigão e era, majoritariamente, negra. A campanha gerou grande repercussão nas redes sociais e foi criticada pela representação construída para a negritude.

Em 2023, a Perdigão veicula, novamente, campanha de Natal do Chester, dessa vez sem o apelo social. Os valores da publicidade natalina estão todos lá: família, espírito de união, magia do Natal. A peça traz, entre os oito representados, duas pessoas negras sorridentes, compondo a cena de consumo como figurantes, sem fala. Quatro pessoas têm falas, todas elas brancas.

Algum leitor pode estar questionando: com tantos problemas para o povo negro, é importante discutir isso? Quando reconhecemos a importância da publicidade na formação cultural do povo brasileiro e na força de suas representações em sociedades capitalistas, sim.

O desejo pelo consumo de produtos é construído pelas marcas a partir de modelos aspiracionais. Assim, a família retratada em uma peça publicitária também diz respeito ao imaginário de felicidade do país. Lembram-se da "família margarina", que simboliza a família perfeita? Ela foi construída pelas narrativas da publicidade.

A peça publicitária em questão, como diversas outras que vemos por aí, faz esforço para alegar diversidade, mas falha em termos de representatividade e na construção de uma representação positiva da negritude.

Esse é um desafio para publicitários, departamentos de comunicação e marketing e um debate para ser abordado em cursos de publicidade e propaganda. Que tipos de imaginários estão sendo construídos sobre um país com mais de 50% de população negra nas representações da mídia?

É importante recordar, também, que o Brasil tem uma lei que estabelece que a produção midiática deve conferir oportunidades de emprego para atores, figurantes e técnicos negros, incluindo aí a produção de peças publicitárias. Essa lei é o Estatuto da Igualdade Racial que, após mais de 20 anos de sua promulgação, segue como uma daquelas leis que "não pegou", em diversos pontos.

Lanço esse questionamento sobre a publicidade, especificamente, pois trata-se do que pesquiso, mas observo com preocupação a demanda por representatividade como ocupação de espaços de poder. Essa discussão, assim como questões sobre representação e enfrentamento a estereótipos, precisa ser levantada sempre. Seguimos atentos, pois não pode haver espaço para retrocessos.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Pablo Moreno Fernandes foi "Para iluminar o rolê", de Zé Manoel.

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