Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França

Um trabalho todo seu

Apesar de o Brasil ter aumentado a participação feminina na força de trabalho nos últimos anos, essa evolução não tem sido acompanhada pela melhoria da qualidade dos empregos executados por mulheres

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Synthia Santana

É pernambucana, doutora em economia pela FGV/SP e pesquisadora da Sociedade de Economia da Família e do Gênero (GeFam)

Ana Claudia Oliveira

É mestra em igualdade e gênero pela Universidad de Málaga (Espanha) e atua como analista legislativa na Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados

Filipe Lage de Sousa

É doutor em economia pela London School of Economics e pesquisador associado ao Partnership for Economic Policy (PEP)

Parafraseando Virginia Woolf quando diz que uma escritora precisa de um "teto todo seu" para criar e desenvolver-se com autonomia e liberdade, as trabalhadoras também precisam de um mercado de trabalho todo seu — ou ao menos um que seja estruturado sem ignorar as suas necessidades e desvantagens históricas para incluí-las de fato.

Synthia é uma mulher negra de olhos escuros e cabelos escuros e crespos. Na imagem, ela usa óculos quadrados e batom escuro. Ana é uma mulher branca de cabelos curtos ondulados escuros e olhos escuros. Ela usa blazer escuro sobre uma blusa preta. Filipe é um homem branca de cabelos curtos esuros e lisos e olhos escuros. Ele usa terno escuro e gravata clara.
Synthia Santana é pernambucana, doutora em economia pela FGV e pesquisadora da Sociedade de Economia da Família e do Gênero; Ana Claudia Oliveira é mestra em igualdade e gênero pela Universidad de Málaga e atua como analista legislativa na Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados; Filipe Lage de Sousa é doutor em economia pela London School of Economics e pesquisador associado ao Partnership for Economic Policy - Divulgação

Apesar de o Brasil ter aumentado a participação feminina na força de trabalho nos últimos anos, essa evolução não tem sido acompanhada pela melhoria da qualidade dos empregos executados por mulheres. Um estudo recente desenvolvido pelo Partnership for Economic Policy mostrou que, de cada 10 mulheres, aproximadamente 6 estão em empregos precários, envolvendo ocupações que não têm carteira assinada ou que excedem a jornada de 44 horas semanais. No universo das mulheres que são chefes de família — realidade de quase metade dos domicílios brasileiros — a situação é ainda mais grave: 8 em cada 10 mulheres estão em trabalhos precários. Cuidar da qualidade do emprego de mulheres, portanto, possui efeitos multiplicadores sobre a família, garantindo dignidade e segurança alimentar para todos ao seu redor. Além disso, é infrutífero pensar em soluções que não reconheçam os efeitos distintos em mulheres negras, pobres e mães.

O estudo também aponta que a permanência de mulheres em boas ocupações está intimamente ligada às chances de ser mãe. Mesmo quando há uma rede de apoio que garante o cuidado das crianças enquanto a mulher se ocupa de suas atividades laborais, as trabalhadoras são menos propensas a progredir no emprego ou a chegar a postos de comando do que homens. Assim, as barreiras começam muito antes, tornando a própria busca por emprego um desafio. Quem não pode pagar por soluções privadas como creches e babás precisa contar com outras mulheres que oferecem esse serviço informalmente. As creches públicas, mesmo com a expansão no período recente, estão longe de neutralizar a fila estimada de 2,5 milhões de vagas. Não é apenas uma questão de oferta: um horário de funcionamento incompatível com a jornada de trabalho dos pais praticamente expulsa as mulheres do mercado de trabalho ou as lança para o trabalho informal e precarizado que, com todas as suas desvantagens, ainda lhes oferece alguma flexibilidade de horários.

Com uma dedicação aos cuidados dos filhos e da casa que chega a ser duas vezes maior que a dos homens (segundo mostram os dados do IBGE periodicamente), as mulheres sofrem discriminação em seus empregos (quando conseguem empregos) e dispõem de menos tempo para desenvolvimento de suas habilidades profissionais e formação de redes de contato. Pela falta de aparelhos públicos de apoio ao cuidado e de uma legislação trabalhista eficaz em eliminar todas as formas de discriminação, as mulheres batalham individualmente, dia após dia, para se manterem em um mercado de trabalho feito por homens e para atender exclusivamente às necessidades dos homens — provedores, não cuidadores. A superação de parte dessas barreiras exige o desenvolvimento de um sistema eficiente de creches que possa dar às mulheres não só condições para assumir posições melhores no mercado de trabalho, como também proporcionar às crianças desenvolvimento educacional infantil.

Além disso, urge aprovar uma extensão do período de licença-paternidade que tenha o potencial de reforçar os vínculos entre pais e filhos e de proporcionar o compartilhamento mais equitativo das funções de cuidado. Por fim, fiscalizar com rigor empregadores pode garantir que estereótipos de gênero não se perpetuem nas práticas de gestão que, implícita ou explicitamente, relegam as mulheres às formas mais precárias de trabalho.

Finalmente, embora nenhuma lei vá transformar radicalmente os papéis sociais que homens e mulheres desempenham nas famílias da noite para o dia, um bom arcabouço legal e o oferecimento de serviços públicos eficientes podem agir indicando que a carga do cuidar (de filhos, de idosos, de todas as obrigações domésticas) não precisa ser somente feminina. E isso pode possibilitar a construção de uma realidade trabalhista (e social) que, enfim, inclua as mulheres com qualidade e equidade.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha de S.Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Synthia Santana, Ana Claudia Oliveira e Filipe Sousa foi "Mama África", de Chico César.

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