Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Equidade racial: se não agora, quando?

Há muitas maneiras de promover a equidade racial. Elas passam majoritariamente por mãos e mentes negras e por 'sulear' nosso referencial de sociedade

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Janiele Damiane de Paula

Professora na Universidade Federal de Minas Gerais, foi gestora de atendimento e humanização penitenciária no governo do Maranhão e responsável pelo 1º programa de elevação da escolaridade e profissionalização do Sistema Prisional no estado

A temporalidade em uma cosmovisão africana, da qual comungo, não é um processo linear. Mas abordar o tempo em uma perspectiva cartesiana é importante para marcar o período que se leva até que mudanças significativas aconteçam em nossa sociedade.

Há quanto tempo se ouve falar que ações direcionadas e políticas públicas intersetoriais podem melhorar a vida da população negra brasileira, historicamente colocada à margem de processos decisórios?

Quando o assunto é equidade racial é inegável que houve avanços, principalmente impulsionados pelo Movimento Negro que pauta o debate público há décadas, com proposições políticas, econômicas e sociais.

Mulher negra sorridente veste camisa preta
Janiele Damiane de Paula, professora na Universidade Federal de Minas Gerais e mestranda em Gestão e Políticas Públicas pela FGV-EAESP - Divulgação

Pensar equidade de maneira ampla é considerar que há benefícios não só para a população preta e parda, mas para toda a sociedade. Um país que enfrenta o racismo sistêmico e responde às suas implicações de maneira propositiva permite que todas as pessoas convivam de forma mais integrada, criando oportunidades de maneira justa e distribuída, e não apenas para um grupo constantemente privilegiado.

Assim, escolas tendem a se tornar ambientes mais acolhedores para a diversidade de estudantes e corpo docente e focadas em aprendizagem, empresas entendem seu papel crucial para além das performances numéricas e instituições financeiras admitem seu passado escravocrata e passam a promover reparação histórica.

Contudo, ainda não chegamos lá. Pessoas negras figuram em estatísticas duras e estão muito distantes de oportunidades igualitárias. Segundo dados do livro "Números da Discriminação Racial - Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas", dos pesquisadores Michael França e Alysson Portella, a distância de renda entre negros e brancos voltou a aumentar e um brasileiro negro recebe, em média, 40% menos que um brasileiro branco.

Quando falamos de cargos de autoridade, mulheres negras ocupam apenas 9% das posições de liderança do alto escalão do executivo federal, segundo dados do Observatório de Pessoal. Os marcadores de desigualdade são ainda mais acentuados quando a análise é interseccional: cor da pele, origem geográfica, gênero, orientação sexual e ser ou não uma pessoa com deficiência, Mas há caminhos possíveis para reduzir as disparidades.

Um deles é reposicionar paradigmas: pessoas negras não devem ser somente beneficiárias de políticas públicas, mas formuladoras, pois diploma de realidade também ensina e a literatura acerca da burocracia representativa nos mostra que as burocracias devem compartilhar as características de seu público, assim, haverá maior propensão de que as decisões tomadas por gestores públicos reflitam os interesses da diversidade da sociedade, haja vista que temos 56% de população preta e parda no país que não se vê representada neste lugar.

Governos precisam intencionalmente investir em políticas institucionais de atração, pré-seleção, permanência e desenvolvimento de habilidades gerenciais e políticas que os altos cargos de liderança demandam. Caso contrário, não haverá perenidade ou um ambiente verdadeiramente propício para que a diversidade esteja neste espaço; em que boa parte dela, inclusive, já está preparada para ocupar.

Há muitas maneiras de promover a equidade racial. Elas passam majoritariamente por mãos e mentes negras e por sulear nosso referencial de sociedade. Logo, é importante que esta população também se sente à mesa das grandes decisões do país e construa, a partir de seus saberes, liderança e tecnologias, outros futuros possíveis para o bem viver e para ampliar o repertório desta nação.

Ao contrário dos Baobás, que nos mostram que nosso tempo não é a medida de todas as coisas que há, não viveremos por séculos. Devemos agir com forte desejo de transformação hoje para que pessoas negras vivam seu pleno potencial com oportunidades manifestadamente reais.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha de S. Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Janiele Damiane de Paula foi "Sorriso Negro", de Dona Ivone Lara.

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