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Interação

Homem de gravata

Um dia as mulheres queimaram os sutiãs; os homens, com certeza, ainda queimarão as gravatas

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Daiane Pereira Rodrigues

Outro dia estava pensando que não há nada mais importante para o homem que a gravata. Mais que o futebol com amigos, mais que MMA e quebra de braço.

Se tem uma coisa que mantem o status no universo masculino é a gravata. Homem poderoso? Homem de gravata! Hoje homem casa de All Star, mas não casa sem gravata. Vai oferecer algo importante para leiloar no casamento? Corta a gravata!

Fotografia colorida de homem branco ajustando a gravata preta sobre a camisa branca
Frank May/dpa Picture-Alliance via AFP

Um dia as mulheres queimaram os sutiãs; os homens, com certeza, ainda queimarão as gravatas. Nós chegamos em casa e só estamos felizes depois de tirar o porta-seios. Os homens afrouxam a gravata.

Ninguém segue homem de gravata no mercado. Homem de gravata só pode ser empresário, advogado, segurança, nunca é ladrão, a menos que esteja no palanque, mas aí todo mundo respeita a gravata.

Na faculdade de Letras, nenhuma mulher queria o homem de gravata, é verdade. Sinal de conservadorismo, de hierarquia, de profissão chata. Melhor o hippie, o hipster, o porra-louca. Mas quem todos respeitam mesmo é o homem de gravata. Esse é para casar!

A gravata, com suas variações, vem acompanhando o homem desde o Egito Antigo, desde o pescoço de guerreiros chineses há milhares de anos, pescoços croatas na cena parisiense em plena Guerra de Trinta Anos para agora chegar aos colarinhos contemporâneos que não sabem distinguir um nó Windsor de um nó oriental. Que não podem comprar suas gravatas sozinhos.

Recentemente Chico Buarque finalmente recebeu seu merecido prêmio Camões depois da espera de quatro anos, depois de pedir desculpas por músicas que já não fazem sentido neste século, depois de calar ditadores, depois de prometer que amanhã vai ser outro dia.

Depois de tudo isso, ele lembrou doze gerações de homens de gravata da família Buarque, lembrou também João Cabral de Melo Neto, colega de prêmio, conterrâneo, amigo poeta, mas não mencionou Raquel de Queiroz nem Lygia Fagundes Telles, não mencionou mãe nem vó nem nenhuma mulher de Atenas.

De mulher só lembrou da esposa, porque ela atravessou a rua para comprar sua gravata; olha que importante o objeto, até fez aparecer mulher no discurso de homem engravatado! Homem que se respeita não recebe prêmio de governo de direita, nem vestido de terno sem gravata.

Penso em lygias e raqueis, penso nas mulheres da família Buarque que devem ter contribuído para que toda essa erudição dos homens virasse canções, romances e tratados de história do Brasil e o partido dos trabalhadores.

Mulheres que cozinharam, limparam, casaram, leram, escreveram, receberam prêmios, discursaram, mas que não usaram uma gravata. Que pena! Se um dia eu puder escolher, não quero prêmio nem nada, para quê? Vou querer mesmo é ser um homem de gravata!

Daiane Pereira Rodrigues é curitibana e vive em Colombo (PR). É mestre em Letras pela UFPR e trabalha como professora e tradutora. Recebeu o prêmio de ensaio biográfico da Associação Maria de Paula de Ruiz Martínez em Madri (2020) e tem traduções e livros de autoria própria publicados na editora Inverso de Curitiba.

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