Preta, preto, pretinhos

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Preta, preto, pretinhos - Denise Mota
Denise Mota
Descrição de chapéu América Latina

Assassinato obriga Argentina a falar sobre seus 'negros' invisíveis

Espancamento de jovem de 18 anos, Fernando Báez Sosa, gerou comoção nacional

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Com uma condenação à prisão perpétua para cinco pessoas e uma pena de 15 anos para outras três, chegou ao fim na Argentina esta semana o julgamento de um crime cometido em 2020 que gerou comoção nacional e trouxe à tona um dos debates mais impostergáveis (mas sempre varrido para baixo do tapete) no país: seu racismo evidente e onipresente.

Fernando Báez Sosa, um estudante de direito de 18 anos, foi espancado até a morte por um grupo de jogadores de rúgbi no balneário Villa Gesell –badalado ponto de encontro de jovens de classe média, a 370 km de Buenos Aires.

Pessoas se abraçam segurando um cartaz de 'justiça por Fernando'
Parentes de Fernando Báez Sosa, jovem morto por grupo de jogadores de rúbgi na Argentina - Norberto Duarte/AFP

Tudo teria começado por causa de um empurrão dentro de uma casa noturna. Báez Sosa e seus desafetos foram expulsos, mas a briga não terminou. Do lado de fora do estabelecimento, testemunhas afirmaram que, enquanto tomava um sorvete, o rapaz foi cercado e seus atacantes se revezaram para espancá-lo: "Matem o negro de merda!", diziam, segundo depoimentos.

Sob um olhar brasileiro, o episódio não deixaria dúvidas de se tratar de uma óbvia demonstração de ódio racista. No contexto argentino outras camadas se somam: "ser negro", "falar como negro", "fazer negradas" e expressões similares se referem ao que se percebe como alheio, desprezível, não desejável.

"Na Argentina, o insulto ‘negro’ se utiliza de forma genérica para significar o não-branco, racializado, escuro de pele, também para se referir a indígenas, pessoas empobrecidas, tudo aquilo que não responde à ideia de branquitude, como a alteridade extrema", explica a Preta, Preto, Pretinhos Federico Pita, cientista político e ativista afro-argentino. "O negro aparece como esse extremo, aquilo que é impossível de assimilar, a tal ponto que resulta em ações praticadas por alguns grupos. É o insulto nacional por antonomásia."

Báez Sosa era filho de uma cuidadora de idosos e de um pedreiro, ambos imigrantes paraguaios. Para além do fato de que ele não ostentasse a tez branca que a narrativa oficial argentina assume como hegemonicamente representativa da sua demografia, sua "negrura" abarca e sobrepõe um leque amplo de alteridades.

Ele não era só não-branco, senão que tampouco figurava em nenhum dos outros lugares de identificação legitimados por seus agressores: foi "lido" ainda como pobre (na Argentina o rúgbi é praticado na maior parte das vezes por famílias de classes acomodadas ou abastadas) e, na lógica dessa fatídica noite, como um adversário, a ser exemplarmente vencido: "Tranquilo, vou levar esse negro de merda como troféu"... outra das frases relatadas por testemunhas ao tribunal.

Três vezes inimigo, um inimigo indiscutível, uma caça desumanizada, um "negro".

O caso ressoou também na linha de frente da representação diplomática argentina. Ainda em 2020, Maria Fernanda Silva - embaixadora no Vaticano e primeira mulher negra a liderar uma embaixada do país - se referiu à sua histórica nomeação como uma das faces de uma sociedade onde as circunstâncias desse crime também têm lugar.

"Fui designada no final de janeiro, dias depois de que o país vivesse o assassinato de Fernando Báez Sosa, morto aos gritos de ‘negro de m…’, em um crime de ódio racial e de classe", disse ela à agência estatal de notícias Télam. "São as duas Argentinas que convivem. E é muito importante ver qual das duas alimentamos."

Erramos: o texto foi alterado

O cientista político argentino se chama Federico Pita, e não Fernando, como grafado anteriormente.

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