Há cada ano, aumenta a quantidade de brasileiros afrodescendentes que deixaram de comemorar o Natal e passaram a celebrar a Kwanzaa, o chamado Natal negro.
Criada nos EUA no final dos anos 60, a Kwanzaa tem ganhado popularidade em todo mundo na medida em que gente preta entende o quanto é saudável alguma distância das tradições eurocêntricas, espécie de mau colesterol que entope veias e impede a oxigenação do cérebro.
Não é coincidência que ela tenha início no dia 26 de dezembro, assim que terminam as comemorações natalinas, mais uma homenagem a um deus-mercado, com direito a banquetes que de fato são ricos em gordura e mau colesterol, do que ao nascimento de um profeta que morreu crucificado 2 mil anos atrás.
A celebração do Kwanzaa é simples. Reunir a família em torno de um candelabro de sete velas, para longas, leves e contemplativa conversas sobre temas determinados. Parecido com os papos com os tios do pavê e do Whatsapp no Natal? Não. Durante a Kwanzaa, o banquete não é de comida. Mas de escuta e palavras. E são sete dias de bate papo. Se, no Natal ocidental, é insuportável conversar com a família reunida por um dia (por conta choque de gerações e rancores afetivos e políticos), como pode ser uma boa ideia fazer o mesmo por uma semana seguida?
Talvez os temas que a Kwanzaa propõe para cada um dos sete dias. São eles: União; responsabilidade com o próprio futuro; trabalho coletivo na comunidade; economia cooperativa; propósito de expandir a cultura africana; criatividade para tornar a comunidade mais bonita e bem-sucedida; fé ao honrar ancestrais e tradições de líderes africanos.
Na Kwanzaa, o exercício da fé se dá sobre ancestrais e grandes líderes. O centro é a comunidade e sua expansão. No último dia da Kwanzaa, as crianças recebem seus brinquedos de seus pais, os heróis mitológicos de suas vidas.
Nas conversas entre família durante a Kwanzaa, há o incentivo para que tudo seja visto de forma não-binária. Dificilmente há, portanto, a defesa de verdades absolutas.
Aí vem a pergunta. Qual foi a última discussão, debate, conversa, onde não houve, de nenhuma parte a defesa de verdades absolutas?
A resposta diz o quanto você ainda está colonizado e, por isso, sofrendo de ansiedades, depressões, distúrbios alimentares, problemas cardiovasculares, dores no corpo, tudo o que te obriga, 24 horas por dia, 365 dias por ano, a adotar uma postura calcificada com o mundo.
Colonizado e endurecido, você, acredite, está longe, muito longe, de seu Deus, seja qual for sua religião.
A Kwanzaa propõe o contrário. O encontro com o divino através do entendimento de que não há, por exemplo, um bem absoluto e imaculado, como ensina a religião ocidental, apostólico romano, que inspirou o Natal que comemoramos.
Por não haver fundamentos religiosos na Kwanzaa, quem a celebra têm mais sucesso de tocar o divino.
Mas a palavra do século, repito aqui sempre posso, é descolonização. Ela é que dará conta da nossa volta a tempos mais saudáveis. Tudo está apenas começando a voltar a seu lugar.
O nome Kwanzaa, significa, em swahili, "primeiros frutos".
Que então, nos próximos sete dias, escorram sobre nós todos seus sucos.
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