Quadro-negro

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Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo
Descrição de chapéu

Musas do Carnaval sempre tiveram conteúdo

Escritora e passista diz que declaração de Gabriela Prioli sobre a imagem das musas da folia é preconceituosa

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Mulher negra sorri
A passista e escritora Luanna Bárthollo (Foto: Arquivo pessoal) - Arquivo Pessoal

Por Luanna Bárthollo, passista, escritora, personal trainer e musa de Carnaval. Em abril lança, com outros autores negros, a coletânea de textos "Tinha que ser preto" (Editora Conquista).

Após dois longos anos sem Carnaval, vai para além do cansaço o esforço de ter que desprender tempo e energia para se posicionar com algum assunto fora do samba. Mas não há como calar-se diante a afirmação da advogada Gabriela Prioli ao ser convidada para ser musa de um camarote privado na Sapucaí.

Ela disse: "Vejo como uma chance de desconstruir estereótipos. Afinal, por que a musa não pode ser uma intelectual? Por qual razão eu não posso trabalhar com a imagem e, também, com o conteúdo?"

Não me surpreende pelo conteúdo preconceituoso, mas sim pela arrogância e prepotência de uma pessoa que foi convidada a ser musa de um camarote (que é uma festa privada que acontece durante os desfiles na Sapucaí, aqui no Rio de Janeiro) e se auto titula "musa intelectual do Carnaval", e ainda que vai representar uma quebra de paradigmas.

Em primeiro lugar, qual paradigma a ser quebrado? Prioli não parece ter noção sobre quem são musas do Carnaval.

Pois bem. Nós somos jornalistas, médicas, dentistas, professoras (algumas com três diplomas até) e que amamos e respeitamos a simbologia dessa festa popular, procurando emprestar o nosso brilho para as escolas entregarem o espetáculo.

Em segundo lugar, festas privadas não representam o carnaval, que é uma festa popular feita pelas escolas de samba e acontece em um chão que, para nós, é solo sagrado. Camarote é para assistir e aplaudir.

As musas estão na Sapucaí, mas também desfilam na Intendente Magalhães (onde competem as escolas dos grupos menos famosos), ajudando suas escolas a crescerem. As verdadeiras musas vão para os ensaios de rua, sambam até em cima de bolhas de sangue sem perder o glamour.

Eu tenho muito orgulho de ser passista e musa, e representar o carnaval não me faz ser menos a mulher que eu sou. Hoje, eu trabalho elevando a auto estima de musas do carnaval e da vida como personal trainer. Levanto as 4h40m da manhã todos os dias para dar aula.

Já fui atleta em alto rendimento, inclusive com duas passagens por olimpíadas, uma como remadora outra como jornalista. Sou envolvida com Carnaval desde os meus 5 anos quando desfilei pela primeira vez pela Herdeiros da Vila Isabel. Não posso admitir tamanha falta de respeito e bom senso com qualquer afirmação que, na prática, apague essa história.

Diploma nunca foi impeditivo para que as musas e mulheres do carnaval entreguem o maior espetáculo da terra, como tem sido há décadas. Muito longe do comentário infeliz da estreante musa do carnaval 2022, temos todas, integrantes das escolas de samba, de que grupo for, trajetórias bonitas de vida, independente de diplomas.

Lá, do alto do camarote, poderá-se desfrutar do show e conferir o maior espetáculo da Terra que é feito por nós.

Que sambamos lá em baixo e que, como Prioli, também lançamos livros.

Sintam-se à vontade em nosso carnaval. A festa mais democrática e inclusiva onde mulheres, homens, trans, gays, ricos, pobres , doutores ou analfabetos, todos têm a oportunidade de dispor seu amor e alegria às escolas de samba.

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