Quadro-negro

Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira

Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo

O fiasco do 'Rep Festival' afetará o sucesso da apropriação da cultura preta?

Quando investidores entenderão que produtores pretos são mais competentes em produzir eventos pretos?

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Lamaçal transforma REP Festival em caos
Lamaçal transforma REP Festival em caos - Reprodução

Podemos dizer que, em todo Brasil, o carnaval já começou. Milhões de pessoas foram às ruas neste fim de semana atrás de cortejos, miniblocos e superblocos. Grito guardado por dois anos devido a pandemia.

Mas que carnaval estaríamos pulando não fosse a cultura negra o sustentáculo desse país?

Coloquem aí no Google. 'Carnaval + Veneza'. Olhem o resultado das imagens. Imaginem aquele tédio sebento espalhado pelo Brasil, hoje?

O Brasil é um país onde a cultura branca, representada pelo colono, resolveu polarizar para escravizar as culturas não-brancas. Indígenas e pretos passaram, lá na fundação da nação, a não ter acesso a investimentos.

Pior, até ontem, não se investia em projetos capitaneados por gente preta.

Não que a situação tenha mudado de forma substancial.

Neste fim de semana, tivemos, no Rio de Janeiro, o 'Rep Festival', um festival de música preta, o rap, com artistas pretos como os Racionais MCs. Enquanto na Marquês de Sapucaí, as escolas de samba, produzidas por pretos e ancestrais de pretos, faziam ensaio final para o desfile de semana que vem embaixo de um temporal e tudo dava certo, o 'Rep Festival' afundava em reclamações de seus frequentadores na internet, que reclamavam tanto da lama pastosa, quanto de cobras no meio do público e falta de estrutura de transporte.

O 'Rep Festival' foi produzido por pessoas brancas, que conseguiram dinheiro, investimento para sua aventura desastrada. Não creio ser erro dos organizadores não. Compreende-se a ideia de fazer dinheiro a todo custo. É a ideia que trouxe cada colono europeu para o Brasil.

O que não se aceita mais são os investidores que, sabendo o quanto gente preta produz bem eventos de cultura preta, há décadas, como os desfiles de escolas de samba, ainda preferem confiar mais rapidamente seu dinheiro ao colono.

Talvez para manter o dinheiro girando ali, em uma classe social só? Com pessoas de só um tipo de cor de pele? Faz sentido. Perverso senso de preservação.

Ao povo preto, o que resta, então? Produzir festivais próprios, onde produtores pretos estejam envolvidos é, certamente, um primeiro passo. Mas nada fácil. Até os EUA, que em suas bloc partys obtém sucesso comercial com seus eventos, Beyoncé necessita da avaliação do Grammy, um prêmio não preto, para considerar-se consagrada.

Semana que vem, as escolas de samba entrarão nas avenidas do Brasil, onde o carnaval só tem graça porque se trata de um país preto. Convém ao mercado interromper coitos em sacadas de prédios da Faria Lima, e olhar para quem sabe fazer direito o que é de sua cultura.

Viva Laíla, morto em 2019, diretor de carnaval da Beija-Flor de Nilópolis, o maior produtor de eventos que este país já teve. Em vida, nunca recebeu a confiança para produzir um grande festival de cultura negra. Mas também em vida, produziu, para quem se interessou em fazer parte, grandiosos eventos pretos que entraram para a história por terem dado certo.

O fiasco do 'Rep Festival', escancarou essa polarização. De um lado, o Brasil rico que dá errado. Do outro, o Brasil que, mesmo sem investimento e confiança, dá certo. Dá samba.

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