Em um mercado muito competitivo com diversas empresas disputando a mesma fatia de mercado, os descontos no preço do serviço para a fidelização dos clientes é prática comum no segmento de Telecom.
Em termos práticos, esses descontos são estipulados previamente nos contratos e funcionam como verdadeiros redutores do preço do serviço, sendo concedidos pelo volume de dados ou minutos consumidos. Quanto mais dados ou minutos adquiridos pelo cliente, maior será o desconto. Seria o mesmo que comparar essa situação com as promoções de supermercados em determinados produtos (compre dois e leve três). Caso o cliente opte por rescindir o contrato de forma antecipada/imotivada, existe a previsão de uma multa de caráter indenizatório, que é proporcional ao tempo de vigência do contrato.
Para a venda de mercadorias, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já definiu, por intermédio da Súmula 457, editada em 2010, que a natureza desses descontos é incondicional, o que significa que, pela legislação tributária, tais valores podem ser abatidos da base de cálculo do ICMS, tributo de competência dos Estados, desde que constem em nota fiscal e não estejam atrelados a um evento futuro e incerto. Em outras palavras, uma vez concedido o desconto em nota fiscal, que foi estabelecido em contrato prévio, ele é considerado definitivo, pois não está sujeito a qualquer fato posterior.
Para a prestação do serviço de telecom, apesar do racional ser exatamente o mesmo, os fiscos estaduais, em uma visão míope e distorcida, vêm lavrando autuações contra as empresas com a imposição de elevadas multas, sob a alegação de que esses descontos teriam suposta natureza condicional, pois a sua concessão estaria vinculada ao consumo de uma quantidade mensal mínima de minutos e/ou dados, além da cobrança de multa indenizatória pela rescisão imotivada/antecipada do contrato, o que configuraria, na ótica fazendária, uma situação futura e incerta.
Por conta de óbices processuais, já que a questão da (in)condicionalidade dos descontos de fidelização para o setor de telecom demanda a análise de cláusulas contratuais, o tema não vem sendo analisado de forma detida pelos tribunais superiores, apesar desses contratos terem um formato padrão e conterem sempre as mesmas espécies de cláusulas.
Felizmente, em decisão recente, mas envolvendo o ISS, tributo de competência dos municípios, o STJ analisou tema semelhante envolvendo os descontos de tarifa concedidos pelas instituições financeiras aos seus clientes, em decorrência da prestação de serviços bancários. No Agravo em Recurso Especial 1.893.596/SP, foi apreciado pela Corte Superior o conceito do termo "condição" sob a ótica do Código Civil.
Em breve síntese, a Municipalidade refutava a aplicação do conceito de direito privado estabelecido no Código Civil aos temas tributários, sob o argumento que o termo "condição" ali indicado se relacionaria somente à produção de efeitos de negócios jurídicos, e não à composição de base de cálculo de um tributo.
No entanto, de acordo com o Código Tributário Nacional, não pode o legislador ou aplicador do direito se esquivar dos conceitos legais dispostos no ordenamento jurídico e limitar-se a uma análise simplista da semântica dos termos ali expostos, sob pena de privilegiar a definição do dicionário da língua portuguesa em detrimento da definição legal constante de qualquer código brasileiro.
Justamente por tal razão, o STJ entendeu neste caso que "os descontos de tarifa concedidos pelo banco decorrem do prévio atendimento pelo cliente de cláusula acertada com a instituição financeira, ou seja, do implemento de condição contratual em momento anterior ao fato gerador do imposto, referente à prestação de serviço contratado".
Assim, a decisão que encerrou a discussão de mérito no referido caso foi totalmente favorável às instituições financeiras, tendo sido fixada a seguinte tese: "os descontos incondicionados são aqueles ajustados livremente entre o contribuinte e o seu cliente/consumidor para fixação do preço em momento anterior à realização do fato gerador; já os descontos condicionados são aqueles relacionados com obrigação a ser adimplida pelo cliente / consumidor em momento posterior à realização do fato gerador, isto é, de caráter futuro e incerto".
Verifica-se que a discussão não se limita somente ao ISS, na medida em que, por diversas vezes, o STJ expressamente faz analogia com as bases de cálculo do ICMS e ISS, consignando que as razões de decidir de um imposto se mostram pertinentes com as razões de decidir do outro, e vice-versa.
Logo, seja sob a ótica do ISS ou do ICMS, fato é que eventuais descontos, previamente previstos em contrato, que diminuam o preço do serviço prestado antes da ocorrência do fato gerador, devem ser excluídos de sua base de cálculo. No caso específico dos descontos de fidelização do serviço de telecom, a situação é praticamente a mesma, pois eles são estipulados previamente em contratos "padrão", celebrados com os clientes, exigindo uma fidelidade por período mínimo no momento da contratação.
A anuência da obrigação de fidelidade é evento simultâneo à contratação e de ocorrência certa, uma vez que ambas as partes almejam o seu cumprimento. Em outras palavras, não há incerteza ou qualquer evento futuro quanto às obrigações estipuladas. Sendo mantido o contrato, o que é natural, e não uma condição, permanecem os descontos por quantidade de minutos ou consumo de dados. Cessado o contrato antes do prazo previsto e sem qualquer motivação, logicamente cessam os descontos, já que não poderia haver desconto sem contrato, sendo imputada tão somente uma multa contratual indenizatória ao consumidor.
Assim, depreende-se que a situação recentemente analisada pelo STJ com relação aos descontos de tarifa bancária para a formação da base de cálculo do ISS é igualmente aplicável aos descontos de fidelização na prestação do serviço de telecom para a formação da base de cálculo do ICMS. Espera-se que as cortes superiores apliquem o melhor Direito a essa questão jurídica, já que as situações são as mesmas e existe a necessidade de uniformização da jurisprudência para que as empresas tenham a tranquilidade de continuar concedendo descontos na prestação dos seus serviços aos seus consumidores para se manterem competitivas no mercado nacional.
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