Que imposto é esse

Reforma tributária para leigos e especialistas; com apoio de Samambaia.org

Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
Descrição de chapéu
Rodrigo Martone e Maria Clara Caballero

Os descontos de fidelização no setor de Telecom

Fiscos estaduais vêm lavrando autuações contra empresas com imposição de elevadas multas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rodrigo Martone

sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados

Maria Clara Caballero

associada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados

Em um mercado muito competitivo com diversas empresas disputando a mesma fatia de mercado, os descontos no preço do serviço para a fidelização dos clientes é prática comum no segmento de Telecom.

Em termos práticos, esses descontos são estipulados previamente nos contratos e funcionam como verdadeiros redutores do preço do serviço, sendo concedidos pelo volume de dados ou minutos consumidos. Quanto mais dados ou minutos adquiridos pelo cliente, maior será o desconto. Seria o mesmo que comparar essa situação com as promoções de supermercados em determinados produtos (compre dois e leve três). Caso o cliente opte por rescindir o contrato de forma antecipada/imotivada, existe a previsão de uma multa de caráter indenizatório, que é proporcional ao tempo de vigência do contrato.

Para a venda de mercadorias, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) já definiu, por intermédio da Súmula 457, editada em 2010, que a natureza desses descontos é incondicional, o que significa que, pela legislação tributária, tais valores podem ser abatidos da base de cálculo do ICMS, tributo de competência dos Estados, desde que constem em nota fiscal e não estejam atrelados a um evento futuro e incerto. Em outras palavras, uma vez concedido o desconto em nota fiscal, que foi estabelecido em contrato prévio, ele é considerado definitivo, pois não está sujeito a qualquer fato posterior.

Mulher de cabelo comprido e roupa vermelha
Maria Clara Caballero, associada da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados - Divulgação

Para a prestação do serviço de telecom, apesar do racional ser exatamente o mesmo, os fiscos estaduais, em uma visão míope e distorcida, vêm lavrando autuações contra as empresas com a imposição de elevadas multas, sob a alegação de que esses descontos teriam suposta natureza condicional, pois a sua concessão estaria vinculada ao consumo de uma quantidade mensal mínima de minutos e/ou dados, além da cobrança de multa indenizatória pela rescisão imotivada/antecipada do contrato, o que configuraria, na ótica fazendária, uma situação futura e incerta.

Por conta de óbices processuais, já que a questão da (in)condicionalidade dos descontos de fidelização para o setor de telecom demanda a análise de cláusulas contratuais, o tema não vem sendo analisado de forma detida pelos tribunais superiores, apesar desses contratos terem um formato padrão e conterem sempre as mesmas espécies de cláusulas.

Homem de terno e gravata
Rodrigo Martone, sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados - Divulgação

Felizmente, em decisão recente, mas envolvendo o ISS, tributo de competência dos municípios, o STJ analisou tema semelhante envolvendo os descontos de tarifa concedidos pelas instituições financeiras aos seus clientes, em decorrência da prestação de serviços bancários. No Agravo em Recurso Especial 1.893.596/SP, foi apreciado pela Corte Superior o conceito do termo "condição" sob a ótica do Código Civil.

Em breve síntese, a Municipalidade refutava a aplicação do conceito de direito privado estabelecido no Código Civil aos temas tributários, sob o argumento que o termo "condição" ali indicado se relacionaria somente à produção de efeitos de negócios jurídicos, e não à composição de base de cálculo de um tributo.

No entanto, de acordo com o Código Tributário Nacional, não pode o legislador ou aplicador do direito se esquivar dos conceitos legais dispostos no ordenamento jurídico e limitar-se a uma análise simplista da semântica dos termos ali expostos, sob pena de privilegiar a definição do dicionário da língua portuguesa em detrimento da definição legal constante de qualquer código brasileiro.

Justamente por tal razão, o STJ entendeu neste caso que "os descontos de tarifa concedidos pelo banco decorrem do prévio atendimento pelo cliente de cláusula acertada com a instituição financeira, ou seja, do implemento de condição contratual em momento anterior ao fato gerador do imposto, referente à prestação de serviço contratado".

Assim, a decisão que encerrou a discussão de mérito no referido caso foi totalmente favorável às instituições financeiras, tendo sido fixada a seguinte tese: "os descontos incondicionados são aqueles ajustados livremente entre o contribuinte e o seu cliente/consumidor para fixação do preço em momento anterior à realização do fato gerador; já os descontos condicionados são aqueles relacionados com obrigação a ser adimplida pelo cliente / consumidor em momento posterior à realização do fato gerador, isto é, de caráter futuro e incerto".

Verifica-se que a discussão não se limita somente ao ISS, na medida em que, por diversas vezes, o STJ expressamente faz analogia com as bases de cálculo do ICMS e ISS, consignando que as razões de decidir de um imposto se mostram pertinentes com as razões de decidir do outro, e vice-versa.

Logo, seja sob a ótica do ISS ou do ICMS, fato é que eventuais descontos, previamente previstos em contrato, que diminuam o preço do serviço prestado antes da ocorrência do fato gerador, devem ser excluídos de sua base de cálculo. No caso específico dos descontos de fidelização do serviço de telecom, a situação é praticamente a mesma, pois eles são estipulados previamente em contratos "padrão", celebrados com os clientes, exigindo uma fidelidade por período mínimo no momento da contratação.

A anuência da obrigação de fidelidade é evento simultâneo à contratação e de ocorrência certa, uma vez que ambas as partes almejam o seu cumprimento. Em outras palavras, não há incerteza ou qualquer evento futuro quanto às obrigações estipuladas. Sendo mantido o contrato, o que é natural, e não uma condição, permanecem os descontos por quantidade de minutos ou consumo de dados. Cessado o contrato antes do prazo previsto e sem qualquer motivação, logicamente cessam os descontos, já que não poderia haver desconto sem contrato, sendo imputada tão somente uma multa contratual indenizatória ao consumidor.

Assim, depreende-se que a situação recentemente analisada pelo STJ com relação aos descontos de tarifa bancária para a formação da base de cálculo do ISS é igualmente aplicável aos descontos de fidelização na prestação do serviço de telecom para a formação da base de cálculo do ICMS. Espera-se que as cortes superiores apliquem o melhor Direito a essa questão jurídica, já que as situações são as mesmas e existe a necessidade de uniformização da jurisprudência para que as empresas tenham a tranquilidade de continuar concedendo descontos na prestação dos seus serviços aos seus consumidores para se manterem competitivas no mercado nacional.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.