Que imposto é esse

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Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
Descrição de chapéu
Aline Viotto, sócia do VMCA Advogados

Reforma tributária e os impactos para as organizações sem fins lucrativos

Há mudanças favoráveis às entidades imunes; para as entidades isentas, a reforma possui um aspecto negativo

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Aline Viotto

sócia de VMCA Advogados e bacharel e mestre em direito econômico pela USP

A aprovação da primeira parte da regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, no dia 10/07, trouxe o assunto novamente em evidência. Ainda que publicamente o tema tenha ganhado relevância, o debate sobre como a reforma tributária impacta as entidades sem fins lucrativos ainda merece ser mais aprofundado.

As entidades, também chamadas de organizações da sociedade civil —OSCs, são consideradas sem fins lucrativos porque não podem distribuir seus excedentes ou resultados financeiros, diferentemente do que acontece com as empresas. Outra característica fundamental é que as organizações exercem atividades de interesse social, que geram benefícios para a sociedade de forma geral. O sistema tributário atual reconhece a particularidade das entidades sem fins lucrativos e a relevância do trabalho que realizam, e faz isso estabelecendo regras e benefícios específicos para tais entidades, ainda que com algumas imperfeições.

Essa situação, no entanto, será alterada com a reforma tributária que está em andamento no país. A primeira etapa da reforma foi concluída com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132, no final de 2023. Nesse momento, estamos na fase em que o Congresso Nacional está avaliando as propostas de regulamentação da reforma tributária, que consistem nos projetos de lei complementar (PLPs) nº 68 e 108, ambos de 2024. O primeiro teve sua votação concluída na Câmara dos Deputados e segue para apreciação do Senado, enquanto o segundo ainda deve ser objeto de deliberação pela Câmara.

Mulher de cabelo comprido e blusa vermelha
Aline Viotto, sócia do VMCA Advogados - LAIS ARANHA/Divulgação

A proposta é abordar as principais mudanças que a reforma tributária promove nas regras tributárias que atualmente se aplicam às entidades sem fins lucrativos. Assim, os pontos tratados neste artigo incluem tanto as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 132, como aquelas sugeridas nos PLPs. Cabe ressaltar, no entanto, que as propostas que constam nos PLPs ainda estão sendo objeto de análise pelo Congresso Nacional e poderão passar por mudanças ao longo de seu processo de tramitação.

São destacados três impactos principais da reforma tributária em relação às OSCs: aqueles que estão diretamente ligados às entidades imunes, os impactos para as entidades que não são imunes, e sim isentas e, por fim, mudanças na tributação de doações para as organizações.

Antes de detalhar os impactos, é importante retomar as premissas que orientam a reforma tributária. A mudança em curso no sistema tributário brasileiro está focada no consumo, ou seja, por enquanto não promove mudanças na tributação sobre a renda. O consumo engloba todas as operações que envolvam a transação de bens e serviços, como compra e venda e prestação de serviços. Por isso, a reforma tributária gera impacto para toda a sociedade, inclusive para as entidades sem fins lucrativos que são tomadoras ou prestadoras de serviços, bem como adquirentes ou até vendedoras de produtos. Os cinco tributos que incidem sobre o consumo (ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI) serão extintos e substituídos por dois novos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Estes devem ter alíquota única e uniforme em todo o território nacional. Se, por um lado, a reforma impacta todas as organizações, de outro, é certo afirmar que algumas entidades serão mais impactadas do que outras.

Em relação aos impactos específicos para as entidades imunes, há novidades positivas. As entidades imunes continuam sendo as mesmas do atual sistema, isto é, as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos, conforme determinação do art. 150, III, "c", da CF. Assim, não são todas as entidades sem fins lucrativos que possuem imunidade, esta é resguardada apenas às organizações que atuam nas temáticas de educação e assistência social. No novo sistema, essas entidades gozarão de imunidade tributária em relação ao IBS e à CBS, pois há previsão que ambos os impostos devem adotar as mesmas regras (art. 149-B, II, CF).

A novidade positiva é que, diferente do que ocorre atualmente com Cofins, não será mais necessário a entidade possuir Cebas para poder gozar de imunidade tributária da CBS. Assim, as entidades estariam dispensadas de cumprir as exigências da Lei Complementar nº 187/2021, mas continuariam obrigadas a atender aos requisitos da Lei nº 5.172/1966 —que é o CTN (Código Tributário Nacional) —e da Lei nº 9.532/1997. Ainda que tenha havido proposta de estabelecer novas e rigorosas exigências para as entidades imunes, a mobilização feita pelas organizações na Câmara dos Deputados resultou em acrescentar apenas uma, que os comprovantes da origem e de registro de recursos, bem como os documentos relativos a atos ou operações relacionados ao seu patrimônio, sejam conservados pelo prazo de dez anos.

Também há mudanças no novo sistema tributário que impactam as entidades sem fins lucrativos que são isentas. Para essas, as alterações tendem a trazer impactos tributários mais significativos do que para aquelas que são imunes, implicando em um aumento da carga tributária. Na categoria de isenta, a princípio, se enquadram as demais entidades que não atuam nas temáticas de educação e assistência social —as quais possuem imunidade.

Com a substituição dos atuais tributos pelo IBS e CBS, os benefícios fiscais que as entidades isentas possuem atualmente em relação a esses tributos também serão extintos. No caso do PIS e Cofins, a serem substituídos pela CBS, são dois os benefícios fiscais que deixarão de existir: a isenção de Cofins sobre receitas referentes às atividades próprias da entidade e a alíquota do PIS de 1% sobre a folha de salário. Como a estimativa é que a alíquota de CBS seja em torno de 8,8%, segundo o governo, é evidente que haverá uma ampliação da carga tributária. A mesma lógica se aplica ao ICMS e ao ISS, que também serão extintos. Consequentemente, eventuais benefícios fiscais concedidos às OSCs nas legislações estaduais e municipais relacionadas a esses tributos —p. ex., isenção de IPTU— serão suprimidos.

O último ponto que vale destacar, que é positivo para as entidades como um todo, é a tributação das doações. Apesar da reforma tributária estar focada nos tributos que incidem sobre o consumo, também foram feitas mudanças no ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), que é um tributo que incide sobre a renda. A grande novidade é a inclusão na Constituição Federal de previsão determinando que não incide o ITCMD nas doações ou transmissões de bens e direitos para instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social (art. 155, § 1º, VII).

O PLP nº108/2024, por sua vez, propõem um detalhamento das condições em que as doações envolvendo organizações não são tributadas. Dentre elas estão: (i) que a não incidência do ITCMD se aplica tanto para doações feitas como recebidas por entidades de "relevância pública e social"; (ii) que são consideradas de "relevância pública e social" as entidades "dedicadas à promoção dos direitos fundamentais compreendidos nos art. 5º e art. 6º da Constituição e das políticas sociais e ambientais compreendidas no Título VIII da Constituição"; (iii) que os bens ou direitos doados devem estar relacionados com os objetivos institucionais das entidades; e (iv) que as entidades atendam a todos os requisitos previstos no art. 14 do CTN (Código Tributário Nacional). Atualmente, o CTN exige que as entidades não distribuam seu patrimônio ou resultado, que apliquem seus recursos integralmente no país e nos seus objetivos sociais e que mantenham escrituração contábil regular.

Assim, a reforma tributária apresenta novidades positivas para as organizações em geral, pois não serão mais tributadas as doações que recebem e fazem, desde que atendam aos requisitos. Ainda, há mudanças favoráveis às entidades imunes, que não terão que obter qualquer certificação específica para poder usufruir da imunidade em relação ao IBS e à CBS. Contudo, para as entidades isentas, a reforma possui um aspecto negativo, que é o aumento de carga tributária, em razão da inexistência de isenções específicas relacionadas aos novos tributos. Ainda, pode haver algumas alterações nessas regras já que os projetos que regulamentam a reforma ainda estão sendo discutidos no Congresso Nacional. É fundamental, portanto, que as organizações acompanhem a tramitação dessas propostas e mantenham a mobilização para garantir uma reforma justa, que considere os aspectos específicos das organizações sem fins lucrativos, bem como estimule a atuação voltada ao interesse público e à solidariedade.

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