Que imposto é esse

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Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
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Bruno Teixeira

Novo entendimento da Receita Federal altera regras do lucro da exploração

Solução de Consulta restringe de maneira inadequada os direitos dos contribuintes, limitando o benefício

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Bruno Teixeira

sócio tributarista do TozziniFreire Advogados

A Coordenação-Geral de Tributação (COSIT), órgão da Receita Federal do Brasil, publicou recentemente a Solução de Consulta n. 138/2024, por meio da qual entendeu que "ainda que imputado como dividendos, nos termos do art. 202 da Lei nº 6.404, de 1976, não registrado como despesa financeira na contabilidade e excluído diretamente na Parte A do e-Lalur e do e-Lacs, o valor pago ou creditado aos titulares, aos sócios ou aos acionistas a título de JCP (juros sobre o capital próprio) deve ser considerado para fins de apuração do lucro da exploração."

Esta Solução de Consulta traz mudanças que são obrigatórias para todos os auditores-fiscais da RFB, então todas as empresas devem estar atentas. A nova regra reduz o benefício do lucro da exploração, pois segundo ela o benefício deve ser ajustado pela parte das receitas financeiras que exceder as despesas financeiras. Se o JCP for considerado necessariamente uma despesa financeira, então a diferença receita/despesa financeira será reduzida, portanto diminuindo o ajuste do lucro líquido determinante do lucro da exploração.

Homem de óculos e barba
Bruno Teixeira, sócio tributarista de TozziniFreire Advogados - Divulgação

Para chegar a esta conclusão, a Cosit/RFB asseverou que o JCP tem necessariamente natureza de despesa financeira para quem realiza o pagamento. Porém, essa interpretação não encontra suporte nas regras contábeis harmonizadas com as regras fiscais por meio da Lei n. 12.973/2014, assim como na Lei n. 9.249/1995 (que trata do JCP). Especificamente, a Lei n. 9.249/1995, notadamente em seu artigo 9º, §7º, prevê que o valor dos JCP, a título de remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos dividendos. Isso indica que a própria lei reconheceu a natureza do JCP como remuneração a sócios/acionistas ao facultar a sua imputação em conjunto com os dividendos. Além disso, não há nenhum dispositivo na lei que afirme que os JCP têm natureza de despesa financeira.

Com base na Lei n. 9.249/1995, a RFB editou a Instrução Normativa (IN) n. 11/1996, por meio da qual reproduziu a regra do artigo 9º, §7º da lei, mas exigiu que os contribuintes registrassem o JCP como despesa financeira (art. 30, caput e par. único), ainda que imputados ao valor dos dividendos.

Em 2008, o Brasil harmonizou a sua contabilidade com o padrão IFRS. Isso ocorreu por meio da Lei n. 11.638/2007. Adotou-se então a premissa fundamental do padrão IFRS, de essência sobre a forma. Para fins fiscais, foram preservadas as regras contábeis anteriores por meio da adoção do RTT (Lei n. 11.941/2009). Com a promulgação da Lei n. 12.973/2014, incorporou-se as alterações dos padrões contábeis à apuração tributária. Em seguida, a RFB editou a IN n. 1.515/2014, adequando a apuração de IRPJ/CSLL/PIS/COFINS às alterações da Lei n. 12.973/2014. A norma também tratou dos JCP, estabelecendo as suas regras à luz das alterações da Lei n. 12.973/2014. Posteriormente, a RFB editou a IN n. 1.700/2017 (em vigor), cujo art. 75 reproduziu a regulamentação do JCP.

No que interessa a esta discussão, desde a IN n. 1.515/2014 o regulamento da própria RFB reconhecia a natureza dos JCP de dividendos ou remuneração de acionistas/sócios. Isso estava claro na redação do artigo 28, §6º, que permitia a exclusão do JCP da apuração do lucro real diretamente no Lalur, desde que não fosse contabilizado como despesa (esta regra foi reproduzida na vigente IN n. 1.700/2017, no art. 75, §6º). A equiparação de JCP a remuneração de acionistas/sócios (dividendos) está em linha com a Interpretação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (ICPC) n. 08 (R1), cujos parágrafos 10 e 11 expõem o seguinte:

10. Os juros sobre o capital próprio – JCP são instituto criado pela legislação tributária, incorporado ao ordenamento societário brasileiro por força da Lei 9.249/95. É prática usual das sociedades distribuirem-nos aos seus acionistas e imputarem-nos ao dividendo obrigatório, nos termos da legislação vigente.
11. Assim, o tratamento contábil dado aos JCP deve, por analogia, seguir o tratamento dado ao dividendo obrigatório. O valor de tributo retido na fonte que a companhia, por obrigação da legislação tributária, deva reter e recolher não pode ser considerado quando se imputam os JCP ao dividendo obrigatório.

A doutrina contábil segue a mesma orientação do ICPC n. 08 (R1) e reforça que os Juros sobre o Capital Próprio devem ser tratados como remuneração de acionistas, equiparando-se a dividendos. A Lei n. 9.249/1995, que sempre permitiu a imputação dos JCP aos dividendos, não estabelece que esses valores tenham natureza de despesa financeira. Dado que o JCP é essencialmente uma forma de remuneração aos sócios ou acionistas, e considerando que o lucro da exploração deve ser ajustado por critérios contábeis, sem interferências indevidas dos ajustes no lucro real, entendemos que a Solução de Consulta n. 138/2024 restringe de maneira inadequada os direitos dos contribuintes, limitando o benefício do lucro da exploração.

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