São Paulo Antiga

A história e as curiosidades de São Paulo passam por aqui

Prédio antigo da Rua Santa Ifigênia é anúncio de futura tragédia

Inaugurado em 1946, Edifício Júlia Cristianini nunca foi totalmente concluído

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Douglas Nascimento
São Paulo

Caminhar pelo trecho final da Rua Santa Ifigênia pode ser um risco à vida. Em uma tarde nervosa com o conflito de comerciantes da região e usuários de crack uma sacola se desprende do alto de um prédio e estoura no meio da rua com lixo doméstico, espalhando-se entre o asfalto e parte da calçada de um estacionamento. Fato isolado? Nem de longe.

Ao olhar para cima em direção de onde foi atirada a sacola é possível observar um verdadeiro arranha-céu que parece ter sofrido um bombardeiro, daqueles que vemos todos os dias no noticiário internacional. Não é à toa que este edifício de aparência tétrica, com aparência e ruinas e que já foi até palco de assassinatos foi apelidado por moradores e vizinhos de Sarajevo.

Vista da região central da cidade com destaque a edifício em mau estado de conservação
Edifício Júlia Cristianini, na Rua Santa Ifigênia, prédio oferece risco aos próprios moradores e seus vizinhos. (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress, COTIDIANO)

ORIGENS

Construído na década de 1940 em um lote junto à Rua General Osório, o Edifício Júlia Cristianini começou a ser habitado em 1946 e até hoje, pasmem, nunca foi 100% concluído, transformando-se em um problema para a São Paulo que envolve habitação, segurança pública e uma escancarada ineficácia do poder público que se estende por 76 anos.

Em 1956, esta Folha já alertava a seus leitores que o prédio oferecia risco, pelo número excessivo de unidades e habitantes e da ausência de equipamentos de segurança como corrimãos em escadas, em um imóvel de mais de 10 andares e apenas um elevador.

Reportagem de 1956 sobre edifício na região central de São Paulo
Matéria da Folha da Manhã , de 8/7/1956, onde o prédio já era visto como um problema para a cidade. - Folha de S.Paulo

Um dos problemas do prédio foi justamente o fato que sua idealizadora e construtora, cujo nome batiza o edifício, jamais concluiu as obras e os compradores cansados de esperar o ocuparam assim mesmo. Já no ano de sua inauguração a senhora Cristianini foi acusada de não terminar as obras de propósito. À época justificou-se alegando falta de cimento no mercado, algo que não se confirmava.

Outro problema do edifício foi a ideia de projetar uma fábrica na cobertura, algo que a prefeitura não concedeu licença para funcionar e por isso jamais saiu do papel. A intenção era abrir uma fábrica de bolsas e é por isso que ao observar o prédio de longe conseguimos ver um galpão inacabado no topo da construção.

Com o falecimento de Júlia Cristianini, em 1960, os problemas se agravaram e jamais resolvidos, transformando o que já era considerado como cortiço, em 1956, em um dos apelidados "treme-treme" da cidade. Dos demais com esse apelido apenas este permanece de pé e, de acordo com a base dados do IPTU, 57 unidades ainda estão no nome da falecida.

DESAPROPRIAÇÕES NÃO CUMPRIDAS

Vista da região central da cidade com destaque a edifício em mau estado de conservação
Vista da fachada do Edifício Júlia Cristianini, na Rua Santa Ifigênia (Foto: Zanone Fraissat/Folhapress)

Desde a década de 1980 a Prefeitura trava embate com moradores pela desocupação do prédio pelos inúmeros problemas que ele apresenta. Em 1993 esta Folha anunciou que o prédio seria desocupado, o que acabou não acontecendo.

A briga entre o CONTRU, órgão que fiscaliza o uso de imóveis na capital paulista, pela desocupação do Edifício Júlia Cristianini seguiu por toda a década de 1990, entrando nos anos 2000 sem obter êxito. Até hoje o edifício segue ocupado por centenas de famílias mesmo oferecendo risco a quem mora lá, aos vizinhos e à municipalidade . A última tentativa de desocupar o prédio, determinada em 2018 pelo Ministério Público, ainda não saiu do papel.

Edifício em mau estado de conservação
Nesta imagem dos fundos do edifício é possível observar que moradores descartam lixo sobre o telhado de imóveis vizinhos (Foto: Douglas Nascimento/São Paulo Antiga)

TRAGÉDIA SEM DATA MARCADA

Não é preciso entrar no edifício para constatar que ali é uma tragédia anunciada, apenas sem data marcada para acontecer.

Da fachada do prédio despencam com frequência pedaços do acabamento em direção à calçada. Para evitar ferimentos ou a morte de pedestres uma estrutura de madeira foi instalada entre a marquise e calçada para amenizar o problema. Mesmo assim são corriqueiros casos de um ou outro fragmento que cai na rua, bem como lixo, embalagens vazias e outros objetos muitas vezes atirados por moradores em direção à rua, acumulando-se sobre a estrutura que serve de anteparo, o que pode ser constatado observando as imagens que a reportagem fez do local.

Com a tragédia ainda recente na memória do paulistano do incêndio e desabamento do Edifício Wilton Paes de Almeida, em 2018, e do Edifício Comércio e Indústria na região da 25 de Março, permitir que o prédio permaneça habitado é conceder passe livre para que uma nova tragédia de grandes proporções atinja São Paulo. A vida humana não pode valer tão pouco a ponto de se ignorar a situação do Edifício Júlia Cristianini.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.