Saúde em Público

Políticas de saúde no Brasil em debate

Saúde em Público -  Instituto de Estudos para Políticas de Saúde
Instituto de Estudos para Políticas de Saúde

Governo que produz informação de qualidade pode diminuir o sofrimento mental da população

Monitoramento, avaliação e maior transparência nas políticas de saúde mental podem evitar transtornos

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Dayana Rosa Maria Fernanda Resende Quartiero Giovanni Salum

Para escolher a roupa que vai usar para sair hoje você precisou considerar o clima e o local de destino. Para escolher o caminho que vai percorrer até lá você precisou considerar o tempo disponível e o trajeto que melhor atendesse suas necessidades. Para escolher quem são os seus candidatos você precisa conhecer as propostas de cada um e para ir votar, você também vai precisar escolher novamente a roupa e o melhor caminho... Com as políticas públicas não é diferente, para o gestor decidir como vai fazer para implementá-las, monitorá-las e, posteriormente, avaliá-las, ele precisa de informações - e não somente gestores, mas também as pessoas que são afetadas por essas políticas e os pesquisadores que são fundamentais para o aprimoramento das ações. Nas políticas de saúde mental, tão importantes nesse momento conturbado em que vivemos, acontece o mesmo e o acesso à informações transparentes e de qualidade sobre os principais transtornos, sobre como tratá-los e preveni-los são um problema.

As políticas de saúde mental dependem diretamente da existência e disponibilização de dados e informações primárias, precisas e atualizadas e isso deveria ser uma diretriz atemporal. Através disso pode-se ter visibilidade dos impactos alcançados, reconhecer e fomentar as ações que promovem a saúde, incluindo a defesa dos direitos humanos. Somente gerando informações e incentivando o monitoramento e a fiscalização constante será possível orientar o planejamento das políticas públicas por evidências robustas, aprimorando a tomada de decisões e a alocação de recursos na área. Por isso, essa é uma das propostas da Agenda Mais SUS para a Saúde Mental, que se desdobra em três passos.

O primeiro deles consiste na articulação do Ministério da Saúde com o Ministério da Ciência e da Educação para fomentar a produção de pesquisa em Saúde Mental, por meio do financiamento de linhas de pesquisa sobre o tema. De acordo com a pesquisa Caminhos em Saúde Mental, no período de 2002 a 2020, o Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (Decit/SCTIE/MS) financiou 6.461 projetos de pesquisa em saúde, que totalizaram o investimento de R$ 1,4 bilhão. Para o campo específico da saúde mental, no mesmo período, houve o financiamento de apenas 249 projetos, totalizando R$ 27 milhões.

Prédio do Ministério da Saúde em Brasília. - Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O segundo passo é o incentivo a implementação de uma cultura de monitoramento e avaliação das políticas públicas de Saúde Mental, a ser realizada pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS), vinculada à geração de pesquisas, conhecimento e dados, inclusive trazendo informações referentes às pessoas institucionalizadas ou em situação de rua. Hoje, ao notar que o Poder Executivo tem dificuldade de dizer quantas são essas pessoas, onde estão ou quais são suas principais necessidades é difícil vislumbrar uma priorização da qualidade de vida dos mais vulnerabilizados. É urgente no atual contexto de piora generalizada das condições de vida dos brasileiros que essas ações sejam priorizadas e estejam em concordância com a Política de Dados Abertos e integradas com a Estratégia de Saúde Digital para acompanhar o necessário avanço da informatização do Poder Público.

Saiba mais sobre essas e outras propostas para a Saúde Mental na Agenda Mais SUS

O terceiro passo, e não menos importante, é a garantia de políticas voltadas à prevenção. As crianças e adolescentes deverão ser público-alvo na sistematização do monitoramento e priorizadas na integração à vigilância epidemiológica, que, idealmente, deverá ser integrada a outros setores, como as escolas. A recente experiência da pandemia de Covid-19 acentuou ainda mais a urgência de ações focadas na saúde mental infantojuvenil. Segundo dados do Atlas das Juventudes, em 2020, 70% dos jovens relataram piora do estado emocional com a pandemia. Uma população que exige atenção especial são os jovens LGBTQIA+ e em situações econômicas desfavoráveis, que sabidamente têm piores indicadores de saúde mental.

Para isso, dentre os sistemas já existentes, o Ministério da Saúde deverá implementar prontuários eletrônicos compatíveis com o SIA-SUS que, para além de indicadores de produção, deverão incluir indicadores de adesão, supervisão, matriciamento e tempo de internação através de ferramentas adequadas, que deverão ser incluídas também nos Relatórios de Gestão dos Municípios (RAG). O Poder Executivo também deve ser responsável por preparar os profissionais para utilização desses sistemas eletrônicos, por meio de cursos de capacitação e qualificação a serem realizados em parceria com os estados e municípios e oferecendo recursos materiais para implementação destes prontuários eletrônicos.

Governos que não produzem boas informações sobre suas políticas e sobre os usuários desses serviços contribuem para o aumento do sofrimento mental, uma vez que a sua redução só pode se dar a partir de evidências científicas de qualidade, transparentes e atualizadas. Na medida em que o acesso aos dados é dificultado e que estes não são coletados com qualidade, quantidade e periodicidade suficientes, quem mais precisa de atenção do Poder Público e acesso aos devidos cuidados deixa de recebê-lo. O Brasil precisa de uma política séria de produção e utilização de dados de qualidade. Dentre os bons exemplos de utilização dos dados disponíveis destaca-se o projeto de saúde mental em dados, desenvolvido pelo Instituto Cactus, em parceria com a Impulso Gov, que integra dados de múltiplas bases governamentais para oferecer informação útil para a gestão pública. Assim como você se informou antes de escolher a sua roupa e definir qual é o melhor caminho para chegar ao seu destino, cabe ao Poder Executivo optar por prevenir e promover a saúde mental dos brasileiros e, para isso, é fundamental informar e monitorar a saúde mental de forma mais ampla, consistente e publicizada.

Dayana Rosa é pesquisadora de políticas públicas do IEPS, administradora pública pela Universidade Federal Fluminense, mestre e doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ; Maria Fernanda Resende Quartiero é investidora social e Diretora Presidente do Instituto Cactus; Giovanni Abrahão Salum é professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Psiquiatria e Ciências do Comportamento da mesma universidade. Coordenou a saúde mental do município de Porto Alegre entre 2017 e 2019.

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