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Políticas de saúde no Brasil em debate

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Como Lula pode restabelecer a saúde mental dos brasileiros no pós-pandemia?

10 ações que o governo precisa fazer nos primeiros 100 dias

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Dayana Rosa Bruno Ziller

Nos últimos dias acompanhamos as rápidas movimentações de transição do Governo Federal, já iniciando os trabalhos do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva. Este é seu terceiro mandato e, nas políticas de saúde mental, sua gestão foi marcada por avanços como a implementação da Reforma Psiquiátrica, que deu início à reorientação do modelo de tratamento para um modelo de base comunitária, estabelecendo a internação como último recurso. O novo governo encontrará uma situação bem diferente do que propôs à época, com falta de publicização e atualização de informações e baixa cobertura da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Lula e sua equipe precisarão se basear nos erros e aprendizados do passado para avançar em uma política intersetorial de saúde mental, especialmente para as pessoas mais vulneráveis.

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva durante ato em defesa do SUS, em São Paulo, no Dia Nacional da Saúde deste ano. O evento fez parte da Conferência Livre, Democrática e Popular de Saúde, organizada pela Frente Pela Vida. - Foto: Danilo Verpa/Folhapress

Longe de ser uma lua de mel, as próximas semanas serão marcadas pela conciliação de interesses diversos que, no campo da saúde mental, poderá se verificar nos arranjos entre grupos polarizados, com visões divergentes sobre qual o melhor modelo para o Sistema Único de Saúde (SUS) e para os cuidados em saúde mental. Equilibrando pratos, a nova gestora nacional da pasta precisará de jogo de cintura. Não apenas para navegar por discussões de modelos de políticas do ponto de vista mais estratégico, mas também para resolver questões práticas e urgentes como, por exemplo, a desigualdade no acesso ao cuidado de saúde mental.

Nesse cenário, quais ações seriam mais urgentes e possíveis no curto prazo dos 100 primeiros dias de governo? Listamos abaixo 10 ações factíveis de serem implementadas nesse período e que podem contribuir para melhorar os cuidados com a saúde mental de brasileiras e brasileiros:

10 ações que o governo precisa fazer nos primeiros 100 dias

  1. Mutirões na Atenção Básica

    Realizar mutirão na Atenção Básica para o mapeamento e acolhimento do sofrimento mental causado pela Covid-19, com atenção especial para as crianças e os adolescentes

  2. Governança Nacional

    Reestabelecer estrutura de governança nacional para as políticas de saúde mental, álcool e outras drogas

  3. Fortalecer os Centros de Atenção Psicossocial

    Alcançar cobertura mínima de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) por meio do cumprimento da Portaria no 3.088/2011, garantindo a habilitação e manutenção da quantidade de CAPS necessária para cada população municipal, ampliando a cobertura dos serviços de saúde mental substitutivos, principalmente: CAPS III, CAPS Infantojuvenil, leitos de saúde mental em hospitais gerais, UAs, NASFs, SRTs e Consultórios na Rua. Os Centros de Convivência e Cultura deverão ser equiparados aos demais dispositivos da RAPS, sendo estabelecido incentivo financeiro para sua habilitação e manutenção

  4. Participação Social

    Realizar a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental

  5. Políticas Antimanicomiais

    Retomar o financiamento das Equipes de Desinstitucionalização e das estratégias de reinserção social e encerrar, gradativamente, a porta de entrada dos hospitais psiquiátricos de característica asilar

  6. Censo e avaliação dos serviços de saúde

    Realizar Censo das Internações Psiquiátricas em todas as instituições que são financiadas pelo Poder Público, o que poderá subsidiar o retorno de publicação anual contendo dados epidemiológicos e de gestão da política nacional de saúde mental. Além disso, retomar o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares - PNASH/Psiquiatria em articulação com o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura

  7. Centralidade do Ministério da Saúde

    Centralizar as internações psiquiátricas no Ministério da Saúde, cessando convênios realizados pelo Ministério da Cidadania com Organizações da Sociedade Civil que atuam como hospitais psiquiátricos e articulando com o Ministério da Justiça, através de Portaria Interministerial, a gestão dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, objetivando a redução de internos

  8. Comunidades Terapêuticas

    Regulamentar as Comunidades Terapêuticas, tendo como critério a observação dos Direitos Humanos e laicidade do Estado

  9. Programa Saúde na Escola

    Fortalecer o Programa Saúde na Escola (PSE) para, em articulação com a RAPS, prevenir e promover a saúde mental das comunidades escolares

  10. Cuidados com juventude

    Orientar Estados e Municípios à priorização dos jovens na Atenção Primária, de forma direcionada e atendendo às especificidades desse público

Além dessas sugestões, no médio e longo prazo outras prioridades deverão fazer parte da agenda da saúde mental. Com o reposicionamento do Brasil nos fóruns internacionais, Lula chama para si a responsabilidade de concretizar compromissos globais estabelecidos anteriormente, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e é fundamental que a saúde mental seja uma importante aliada na concretização destes objetivos.

Assim como o programa Bolsa Família é urgente para acabar com a fome de milhões de brasileiras e brasileiros em situação de miséria, também é imprescindível avançar nas políticas de saúde mental de forma humanizada. É preciso debater com urgência o tema, com base em evidências, e aproximar outros setores, afinal saúde mental não é só saúde, é também erradicação da pobreza e da fome, redução das desigualdades, igualdade de gênero, trabalho decente, acesso à cultura e educação, e crescimento econômico.

Sendo a saúde mental determinada por diversos fatores também sociais, todos esses objetivos devem respaldar e orientar o novo governo no restabelecimento da saúde mental da população, que tanto têm sofrido nos últimos anos. Ainda nos primeiros 100 dias de governo já poderemos dizer se haverá ou não empenho para melhoria da nossa qualidade de vida, pois as ações de um governo podem piorar a saúde mental de sua população, mas o contrário também é possível. Caberá a Lula e sua equipe demonstrar que a saúde mental da população será pauta prioritária de sua gestão.

Dayana Rosa é pesquisadora de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), doutora em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ e formada em Administração Pública. Bruno Ziller é coordenador de projetos no Instituto Cactus, mestre em Políticas Públicas pela Hertie School, especialista em Ciências Políticas pela FESPSP e bacharel em Relações Internacionais pela ESPM.

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