Chega o fim de ano e é sempre a mesma correria para concluir tudo aquilo que se planejou executar no período. Pendências no trabalho para resolver, eventos familiares para organizar, presentes para comprar. Adicionalmente, as ondas de calor que anunciam a chegada do verão e a inflação nos preços tornam essas tarefas ainda mais cansativas e estressantes. Já ouvimos diversas vezes que um corpo saudável é também uma mente sã, mas em dezembro essa é uma meta tão difícil de ser atingida quanto começar uma dieta perto das confraternizações da época. Tudo isso gera uma sobrecarga, algo que as mulheres conhecem desde muito cedo e, não por acaso, contribui para que elas sejam as que mais sofrem com depressão.
A sobrecarga física e mental é apontada como um dos principais fatores que deixam as mulheres especialmente vulneráveis aos sofrimentos psicológicos. Um estudo do Instituto Cactus, em parceria com o Instituto Veredas, identificou que, em mulheres com alta sobrecarga doméstica, transtornos mentais comuns estão presentes em 1 a cada 2 mulheres. A baixa qualidade do emprego, com predomínio da informalidade, do caráter temporário e da precariedade dos vínculos, também pode gerar temor e ansiedade, cenário que pode piorar quando somado ao trabalho em casa, onde as mulheres continuam a ser as principais responsáveis por administrar as tarefas domésticas e, ainda, conciliar com o trabalho remunerado. Padrões irregulares de carreira, tempo fora do mercado de trabalho para cuidar dos filhos e para o trabalho de casa, licença maternidade, doenças físicas e questões de saúde mental podem afetar a percepção sobre a disponibilidade e o comprometimento da mulher, sobre a qual se baseiam muitas contratações, levando à discriminação e exclusão do mercado de trabalho. Em outras palavras, sair psicologicamente ilesa da condição de ser mulher é uma missão quase impossível.
Os dados confirmam essa realidade. O Covitel, Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas não Transmissíveis em Tempos de Pandemia, revelou que o diagnóstico de depressão entre brasileiras e brasileiros com 18 anos ou mais do período pré-pandemia ao 1º trimestre de 2022 aumentou em 41%, superando a diabetes. O inquérito, desenvolvido pela Vital Strategies, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), pela Umane e pelo Instituto Ibirapitanga, aponta que a prevalência de depressão entre as mulheres foi mais que o dobro da ocorrência entre os homens (18,8% contra 7,8%). Aquelas diagnosticadas com depressão consomem mais tabaco, têm hábitos de alimentação menos saudáveis e praticam menos atividades físicas, hábitos conhecidos como preditores de risco para doenças crônicas não transmissíveis.
Mas o buraco é mais embaixo. A pandemia da Covid-19 também não evidenciou apenas a piora dos hábitos e fatores de risco para a saúde mental. Ficou mais difícil viver com saúde enquanto o desemprego aumenta, a fome retorna e o machismo é perpetuado e incentivado. A dimensão política de valores culturais como estes pode ser ainda mais agravada com a elaboração de leis ou em ações de governo: o programa de proteção às mulheres vem sendo desfinanciado progressivamente, chegando em uma redução de 83% no período de 2020 a 2023, segundo dados do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). A Casa da Mulher Brasileira, um espaço público que concentra serviços especializados e multidisciplinares para o atendimento às mulheres em situação de violência, sequer executou orçamento neste ano, ainda que autorizado.
Na mesma medida, para resolver esse problema, as políticas públicas também podem ser grandes aliadas, especialmente se criarem processos e abordagens específicas para cada público, para cada mulher, em todas as idades, gêneros e raça. O SUS é o principal aliado para isso e alguns caminhos já existem, como a Atenção Primária à Saúde. Estamos falando do postinho de saúde próximo à sua casa. Já pensou poder encontrar, pertinho de você, profissionais de saúde que irão acolher seu sofrimento enquanto checam sua pressão?
O novo ano sempre vem. E depois da correria com a ceia e o amigo oculto, vem a preocupação com o IPVA, a matrícula da creche e os materiais escolares das crianças. Já que a sobrecarga só muda de nome, o que nos resta é continuar defendendo mais financiamento para o SUS alcançar cada vez mais mulheres que precisam de acolhimento. Defender mais olhares cuidadosos para uma realidade que exige a compreensão de dimensões sociais, culturais e políticas. Afinal, falar de saúde mental é falar de saúde, de educação, de desenvolvimento social e até econômico. As mulheres são importantes vetores de mudança social e querer saúde para as mulheres viverem mais e melhor é querer uma sociedade inteira mais saudável. É isso que desejamos para 2023: saúde para dar e vender!
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