As desigualdades no acesso aos serviços de saúde decorrentes da escassez de profissionais em áreas remotas têm sido observadas como um problema persistente e crítico em diversos países. Segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), quase metade da população mundial vive em zonas rurais remotas, nas quais se encontram mais de 80% das pessoas em situação de pobreza extrema. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima que cerca de 67% das populações rurais não têm acesso adequado a serviços de saúde essenciais.
No Brasil, as desigualdades regionais marcam o sistema de saúde. Na Amazônia Legal, especificamente no estado do Pará, essa questão se aprofunda e impacta, principalmente, grupos e segmentos sociais, como populações quilombolas, indígenas e ribeirinhas.
O Estudo Institucional n. 4 do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), aponta que o acesso a profissionais da saúde na Amazônia Legal, principalmente para especialistas como cardiologistas e oncologistas, é três vezes menor em comparação ao restante do País. Dentistas, enfermeiros, nutricionistas e psicólogos também são considerados escassos, de acordo com consulta de atores locais feita em campo, em março de 2023, pelo Projeto Saúde na Amazônia, uma parceria entre IEPS e o Instituto Clima e Sociedade (iCS).
A escassez de profissionais da saúde nesse território está relacionada a diferentes causas, como as condições de trabalho, infraestrutura, financiamento e disponibilidade de acesso à região. Há ainda a dificuldade dos profissionais no manejo das demandas típicas de saúde da região amazônica.
Santarém, no oeste do Pará, é um exemplo para pensar as desigualdades na saúde nesse território. O município possui áreas urbanas, de planalto e de rios, que impactam o acesso das equipes de saúde à região. As distâncias para acesso aos serviços são muito significativas, sobretudo para os serviços de urgência e emergência, diálise e quimioterapia. Muitas unidades de saúde têm dificuldades com a conservação de medicamentos e apenas 49% delas possuem conexão com a internet.
Dados disponíveis na plataforma IEPS Data, mostram que, em 2021, o número de médicos por mil habitantes em Santarém era de 1,2, bem abaixo da média nacional (2,1). Apesar disso, o número ainda é superior a maioria dos municípios do oeste do estado, que chegou a 0,2 em cidades como Placas, Porto de Moz e Rurópolis.
Dada essa complexidade, há necessidade de refletir sobre modelos assistenciais de saúde que tenham condições de dialogar horizontalmente com os territórios amazônicos. São fundamentais ações que permitam incorporar saberes dos povos indígenas e tradicionais, inovações locais nas linhas de cuidado, práticas voltadas ao financiamento climático e integração de tecnologias de saúde que possam transpor barreiras socioeconômicas, culturais e geográficas na expansão e melhoria da rede de serviços de saúde.
Iniciativas voltadas à construção de modelos de cofinanciamento estadual e municipal em parceria com organizações não governamentais, podem induzir uma adequada oferta de vagas e melhor gestão dos profissionais. Programas complementares ao Mais Médicos devem trazer à gestão e à regulação do trabalho e dos trabalhadores da saúde a estrutura necessária para seu funcionamento. Isso não será possível se outras ações não forem combinadas, como trilhas comuns de educação permanente dos profissionais da saúde, implementação de plano de cargos, carreiras e salários, bem como a infraestrutura necessária para o desenvolvimento do trabalho.
A experiência acumulada no Brasil e em diversos países aponta para o entendimento de que não há uma solução definitiva, simples, isolada para o problema, a questão é complexa, e de manejo intersetorial, continuado e coordenado. Exige a definição e a execução de intervenções tecnopolíticas no plano nacional, estadual e municipal.
Isabela Ramos é psicóloga, paraense, consultora do Instituto de Estudos para políticas de saúde (IEPS) e conselheira de Médicos sem Fronteiras (MSF) Brasil.
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