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Faustão não 'furou fila': questionar a universalidade do SUS é um ataque à democracia

Além de universal, critérios técnicos e transparência marcam o sistema de transplantes no Brasil

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Ana Pimentel

Depois de seis anos de notícias preocupantes sobre o Brasil, durante o governo golpista de Michel Temer e o mandato de Jair Bolsonaro, que foi uma sequência de retrocessos, não surpreende que a população tenda a esperar sempre o pior da máquina pública. Quando, no último dia 20, foi anunciado que o apresentador Fausto Silva estava esperando um transplante de coração, logo espalharam-se fake news de que ele, por ser famoso e rico, estaria "furando a fila"— isto é, tirando o lugar de alguém que, ao contrário dele, por razões financeiras, dependia integralmente do Sistema Único de Saúde (SUS) para cuidar da própria saúde.

Não vou entrar no mérito sobre o perfil das das pessoas que começaram a espalhar tal mentira, mas tenho certeza sobre um de seus objetivos: desacreditar a eficácia do SUS, um modelo de atendimento universal e gratuito de saúde elogiado e copiado universalmente. Vimos isso acontecer sistematicamente durante a pandemia de Covid-19, com ataques ao SUS e à vacina capitaneados por ninguém menos que o presidente do Brasil naquele (triste) momento. A falsa informação de que Faustão teria sido priorizado por ser uma pessoa pública é uma tentativa de desmerecer a saúde pública e o presidente Lula —que mesmo antes da campanha presidencial reafirmava o SUS como um dos pilares do Estado brasileiro ao cuidar de forma universal de seu bem mais precioso: suas pessoas.

Em um posicionamento oficial, após a cirurgia de transplante de Faustão, que ocorreu dia 27 de agosto, o Ministério da Saúde informou que pacientes em estado crítico de saúde como o apresentador, que tinha insuficiência cardíaca, são atendidos com prioridade, em razão de sua condição clínica. Além disso, a pasta ressaltou que a fila para os transplantes é única: vale tanto para os pacientes do SUS, quanto para os da rede privada. Assim, a ordem de chamada depende de critérios técnicos, como tipo sanguíneo, peso, altura e compatibilidade genética. Quando os critérios técnicos são semelhantes, a ordem cronológica de cadastro, isto é, a ordem de "chegada" na fila, funciona como critério de desempate. Não importa se o paciente é o Faustão ou qualquer outro brasileiro ou brasileira.

Seis médicos durante procedimento cirúrgico de transplante de fígado. Não é possível ver o procedimento, há uma manta verde na frente.
Transplante de fígado realizado em hospital estadual em Rio Branco, no Acre. - Foto: Odair Leal/Secretaria de Estado de Saúde do Acre (Sesacre)

Atualmente, segundo dados do Ministério da Saúde, mais de 65 mil brasileiros estão à espera por um transplante no país. Destes, cerca de 380 aguardam por um coração. O Brasil tem uma das maiores filas do mundo, mas também tem o maior sistema público de transplantes. Claro, ainda há falhas e gargalos: é preciso aumentar a conscientização sobre a doação de órgãos, investir na capacitação de equipes hospitalares e mesmo de hospitais que possam fazer os procedimentos e reduzir desigualdades, como a diferença do tempo de espera entre um estado e outro (justamente por haver disparidade de instituições e profissionais habilitados, por exemplo). Além disso, é preciso ampliar os recursos para a produção de conhecimento e pesquisa científica sobre o tema.

Defender o SUS é defender que cada brasileiro ou brasileira tenha chances iguais de receber um transplante de órgão caso necessite dele. E isso não se refere apenas ao transplante em si. Os pacientes recebem toda a assistência, incluindo exames preparatórios, cirurgias, acompanhamento e medicamentos pós-transplante, pelo sistema único. A maioria dos planos particulares de saúde não cobre este tipo de tratamento, cujo custo pode variar de R$ 4 mil a R$ 70 mil.

E defender o SUS é, também, defender um acesso à saúde que além de universal e gratuito é marcado pela lisura e transparência. Qualquer pessoa pode acompanhar a lista única de espera por órgãos e ter acesso aos critérios de prioridade pelo site do Sistema Nacional de Transplantes ou das secretarias estaduais de saúde. É saber que o apresentador Fausto Silva, que passa bem após a cirurgia, não furou a fila do transplante, simplesmente porque nenhuma pessoa pode fazer isso no Brasil.

Atacar a fila de transplantes de órgãos ou a universalidade do SUS é uma tentativa de enfraquecer não apenas o governo Lula, mas a democracia e a luta por igualdade plena de direitos na retomada do projeto de país que queremos e estamos reconstruindo.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora ou autor não necessariamente expressa a opinião do Instituo de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).

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Ana Pimentel é Deputada Federal pelo PT-MG. É médica defensora do SUS, professora universitária e pesquisadora de saúde pública. Preside a Frente Parlamentar Mista do SUS e a Frente Parlamentar em Defesa da Vacina e integra a Frente Parlamentar do Programa Nacional de Imunizações, a coordenação-geral da Frente Parlamentar de Enfrentamento à IST/HUV, a Frente Parlamentar Mista da Educação, além de outras.

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