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O apagão da internet e a tecnodiversidade

Monocultura faz mal até para a saúde cibernética

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parece marrom com rachaduras vermelhas semelhantes aos circuitos de chips
SoU_Ciência - Meyrele Nascimento

O apagão cibernético global ocorrido em 19 de julho de 2024 foi causado por uma atualização defeituosa do software de segurança da CrowdStrike, empresa norte-americana líder no mercado de detecção de ameaças. A falha na atualização afetou computadores com sistema operacional Windows da Microsoft, travando cerca de 8,5 milhões de máquinas.

O incidente causou interrupções em diversos setores críticos em todo o mundo, incluindo aeroportos, com cancelamento de voos em diversas companhias aéreas, serviços bancários e financeiros, sistemas de saúde, com cirurgias eletivas adiadas, redes de TV no Reino Unido e na Austrália ficaram fora do ar e as bolsas de valores e os mercados financeiros foram prejudicados globalmente.

A Microsoft e a CrowdStrike, juntamente com outros provedores de nuvem, como Google e Amazon, somaram esforços para desenvolver uma solução e restaurar os serviços afetados. Mas a correção não é simples e a indisponibilidade de alguns sistemas pode permanecer ainda por algum tempo.

Uma das dificuldades apontadas pelos especialistas para uma rápida resolução é a natureza interconectada dos sistemas. O apagão demonstra a fragilidade da economia global e sua dependência de poucos provedores de infraestrutura tecnológica. Poucos países ficaram ilesos sendo a China o maior deles.

Esse incidente nos remeteu ao livro Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia, de Vandana Shiva (Editora Gaia, 2018). Segundo a autora, que é uma importante ativista indiana em prol da biodiversidade e da preservação das florestas, "A característica crucial das monoculturas é que, além de substituir as alternativas, destroem até mesmo a sua base. Não toleram outros sistemas e não são capazes de se reproduzir de maneira sustentável" (Shiva, 2018, p. 68). A uniformidade que a silvicultura "científica" tenta criar, portanto, transforma-se numa fórmula de insustentabilidade.

Pode parecer estranho citar a importância da biodiversidade florestal em uma análise sobre tecnologia, mas vivenciamos na informática os mesmos processos de monopolização e de padronizações impostas. No caso da monocultura agrícola, a vulnerabilidade a pragas e doenças é ampliada em uma plantação composta por uma única espécie, e, uma vez que a praga encontra o hospedeiro ideal, há uma rápida proliferação, podendo destruir assim toda uma plantação. A monocultura esgota o solo, aumenta a necessidade de agrotóxicos e reduz a biodiversidade, tornando o ecossistema mais frágil. Além disso, passa a depender mais fortemente do mercado, pois se a demanda pelo produto da monocultura cair ou se houver uma crise no mercado, o agricultor fica extremamente vulnerável.

Na "monocultura informática", há uma vulnerabilidade a ataques cibernéticos, pois um sistema operacional ou aplicativo de código fechado utilizado por bilhões de pessoas é um alvo altamente atrativo para hackers, e uma única falha de segurança pode comprometer todos os usuários. Esse modelo da monocultura informática também pode inibir a inovação, uma vez que as empresas dominantes tendem a resistir a mudanças que possam ameaçar sua posição de mercado. Por fim, tal sistema resulta ainda em uma dependência de uma plataforma, limitando as opções dos usuários, tornando-os mais vulneráveis a mudanças nas políticas da empresa.

Em ambos os casos, a falta de diversidade torna o sistema mais frágil e suscetível a crises. Entretanto, o mercado de tecnologia é muito mais monopolista que os outros. Tente fazer algo tecnológico sem utilizar pelo menos um produto das GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft). Vivemos uma verdadeira monocultura tecnológica. E essas mesmas empresas correm hoje para coletar dados pessoais e alimentar seus modelos de inteligência artificial.

Assim, da mesma forma que o Estado deve atuar para defender nossas florestas e ecossistemas, precisamos que o Estado desenvolva incentivos à tecnodiversidade e ao software livre.

No primeiro governo Lula demos passos neste sentido: o Ministério da Cultura, com Gilberto Gil e Cláudio Prado, valorizou a cultura digital vinculada à produção cultural local, e sob a gestão de Sérgio Amadeu, o Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI) fomentou o software livre e alguns ministérios propuseram alternativas às big techs. Até o BNDES fomentou projetos de inovação em software livres.

Essas políticas públicas precisam ser retomadas e expandidas. A valorização de tecnologias locais, do software livre e de código aberto e de uma cultura de independência nacional são essenciais para prevenir novos apagões e colocar o Brasil no mapa da produção de tecnologia.

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