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A quem interessa desregulamentar a pós-graduação?

Qualidade em risco e aumento da desigualdade regional não é bom nem para o mercado

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O que é e para que serve a pós-graduação stricto sensu? É provável que grande parte dos brasileiros não saiba responder a essa pergunta.

Historicamente, os programas de pós-graduação vêm cumprindo o importante papel de formar docentes para atuarem nas instituições de ensino superior, além de preparar novos pesquisadores de alto nível, em todas as áreas do conhecimento, ao mesmo tempo que produzem grande parte da pesquisa científica nacional, com vistas à soberania do país, à justiça social e ambiental e à minimização de toda a sorte de desigualdades (sociais, raciais, de gênero, territoriais etc.).

Apesar de representarem uma pequena parcela da população, pessoas com mestrado e doutorado são pesquisadores e/ou profissionais altamente especializados, fundamentais para capacitar a nação a assimilar, transformar e produzir conhecimentos, assim como gerar tecnologias e inovações, desempenhando papel vital no aumento do desenvolvimento social e econômico, no crescimento da produtividade, da competitividade e do bem-estar, elevando a qualidade de vida de toda a população.

lâmpadas flutuando sobre um fundo colorido, algumas acesas outras apagadas
SoU_Ciência - Meyrele Nascimento

As bases do nosso Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) foram instituídas na década de 1960, sob forte influência do modelo estadunidense e, ao longo das décadas, seus mecanismos foram aprimorados para garantir a qualidade das formações em conjunto com a sua expansão. Os padrões e os critérios avaliativos instituídos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e colocados em prática pelas comissões e pelos pareceristas especializados garantiram que o SNPG brasileiro se tornasse um modelo para a América Latina.

Com mais de 7 mil cursos espalhados por todas as regiões, a pesquisa desenvolvida em nosso país tem forte foco nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, em assuntos como Saúde e Bem-Estar; Erradicação da Pobreza; Educação de Qualidade; Igualdade de Gênero; Vida Terrestre e Paz; Justiça e Instituições Eficazes, de acordo com relatório recente publicado pela Clarivate, que também destaca os altos níveis de pesquisa de ponta em tópicos relacionados às ciências ambientais, médicas e outras ciências biológicas.

Os problemas existem, é claro. A recente queda na procura pela formação pós-graduada tem sido alvo de debates, assim como a desvalorização sistemática das carreiras na pesquisa e docência superior, que incentiva a fuga de cérebros da academia para cargos burocráticos com melhores remunerações e planos de carreiras no serviço público.

Nesse cenário, desponta o Parecer CNE/CES nº 331/2024 que propõe a liberação da criação de novos cursos de pós-graduação sem a autorização prévia da Capes, contrariando o procedimento padrão desde 2001. Pendente de homologação, o documento é problemático em diversos aspectos, sem contar que não foi tema de debate amplo entre a população direta ou indiretamente interessada, indo na contramão do espírito democrático e colaborativo que deveria caracterizar qualquer mudança em política educacional.

O Fórum Nacional da Educação, um espaço importante de interlocução entre a sociedade civil e o Estado brasileiro, pronunciou-se em nota, posicionando-se contra a medida, que pode prejudicar sobremaneira a qualidade da pós-graduação. Afinal, são os critérios avaliativos que controlam a qualidade dos cursos, levando em conta as ementas, os docentes, os públicos-alvo e também as necessidades regionais contempladas pelos programas.

Para além da qualidade ameaçada, é questionável, para dizer o mínimo, como as instituições educacionais foram arbitrariamente classificadas no parecer, como "não consolidadas" ou "consolidadas", com base apenas em um "número mágico" de Programas de Pós-Graduação com notas 6 e 7 na avaliação Capes.

Detentora, portanto, do privilégio de criar cursos livremente, essa suposta casta superior, formada por apenas 17 instituições, 14 delas localizadas nas regiões Sudeste e Sul, aumenta, ao invés de diminuir, as desigualdades entre as instituições. Além disso, evidencia a urgência de uma distribuição mais equitativa de recursos e oportunidades acadêmicas pelo país. No Centro-Oeste apenas a Universidade de Brasília e no Nordeste apenas as Universidade Federais do Ceará e de Pernambuco compõem o seleto grupo, que não contempla nem uma instituição da região Norte, em clara oposição ao intento de modernizar o sistema e à necessidade de reduzir as discrepâncias e de fomentar a interiorização e o fortalecimento da produção científica em regiões em que o desenvolvimento ainda é incipiente.

Esperamos que os órgãos envolvidos nessa reestruturação repensem suas estratégias de proposição, implementação ou modificação de políticas, tendo sempre o bom senso de ouvir a comunidade interessada, ainda mais quando a discussão implica em uma alteração na configuração de um sistema tão estratégico para o nosso país, como o SNPG.

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