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A diáspora científica brasileira: enfrentando o êxodo de talentos

"Fuga de cérebros" é consequência da falta de valorização da ciência nacional

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O debate sobre a diáspora científica, fenômeno em que profissionais altamente qualificados deixam o país em busca de melhores condições de pesquisa e de trabalho, tem se intensificado no Brasil nos últimos anos. Esse movimento, cujo agravamento se dá em contextos como a ditadura militar e os recentes governos anticiência, reflete características conjunturais, mas também expõe uma série de desafios estruturais que o Brasil enfrenta em sua política de Ciência, Tecnologia e Inovação.

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SoU_Ciência - Meyrele Nascimento

Entre as razões mais comuns para a dispersão de cientistas, destacam-se a escassez de recursos para pesquisa, a falta de oportunidades de carreira de longo prazo no Brasil e a busca por ambientes acadêmicos mais favoráveis. O cenário de subinvestimento em ciência e tecnologia, que se agravou a partir de 2016 com sucessivos cortes orçamentários, é um dos grandes responsáveis por esse quadro, assim como a necessidade de ampla e rápida recuperação da infraestrutura de pesquisa. A precarização das universidades públicas e o congelamento do valor e do número de bolsas de pós-graduação e pós-doutorado criaram um ambiente menos favorável para o desenvolvimento científico no país desde então, conforme aponta o Painel Financiamento da C&T e das Universidades Federais do Centro de Estudos SoU_Ciência.

Um levantamento inédito coordenado pelo GEOPI/Unicamp mostra que mais de 70% dos cientistas brasileiros que se encontram no exterior não têm previsão de retorno ao país. A maioria desses profissionais saiu do Brasil após 2019, motivados por ofertas de trabalho mais atrativas e melhores condições de financiamento em suas áreas de pesquisa. Esses dados sugerem que, para muitos, o retorno ao Brasil não é uma opção viável, o que desafia a eficácia de programas de repatriação.

O Programa Conhecimento Brasil, uma iniciativa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos do Governo Federal (Finep), é uma das tentativas de repatriar cientistas e reverter o êxodo de acadêmicos. Com um orçamento de 800 milhões de reais, o programa promete bolsas e recursos para atrair de volta esses pesquisadores.

No entanto, a recepção na comunidade científica é mista, como apontado durante a sessão "Diáspora científica: caminhos para a repatriação e retenção de cérebros", organizada pelo Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), coordenada por Renato Cordeiro, tendo como palestrantes a coordenadora geral do SoU_Ciência Soraya Smaili, o professor emérito Luiz Davidovich (UFRJ/ABC) e a professora Mercedes Bustamante (UnB), e como debatedores Aldo Zarbin (UFPR), Ana Gazzola (UFMG), Herton Escobar, repórter do Jornal da USP, Luiz Carlos Dias (Unicamp), Marcus Oliveira (UFRJ), Maria Angélica Minhoto (SoU_Ciência/Unifesp), Samuel Goldenberg (Fiocruz). A proposta pode ser atrativa para jovens pesquisadores em início de carreira, mas dificilmente conseguirá trazer de volta aqueles já estabelecidos em outra nação. As bolsas oferecidas, embora superiores às disponíveis no Brasil, ainda são insuficientes para competir com os salários e as condições de trabalho de países desenvolvidos.

Outra vertente levantada no debate, igualmente preocupante sobre essa situação, revela que a partida de talentos já inicia durante a graduação e que há um aumento significativo na privatização da educação brasileira. Dados do Painel Expansão do Ensino Superior Privado no Brasil, do SoU_Ciência, mostram um crescimento de matrículas em faculdades, centros universitários e universidades privadas — muitas dessas instituições pertencentes a grandes grupos internacionais — ocasionando uma estagnação ou queda no número de matrículas em públicas. Como mais de 81% das pesquisas são realizadas nas instituições públicas, essa diminuição afeta diretamente nossa produção científica.

A repatriação ou a simples internacionalização não devem ser vistas como as únicas soluções. Em vez disso, devemos considerar estratégias como a "circulação de cérebros", uma abordagem mais moderna e dinâmica que reconheça a mobilidade dos cientistas como parte integral do sistema científico global. A construção de redes de cooperação e parcerias internacionais pode permitir que esses cientistas continuem a contribuir para a ciência brasileira, mesmo estando fisicamente em outro país.

A saída de cientistas talentosos ocasiona, sem dúvida, uma perda significativa de capital humano e intelectual, o que compromete a capacidade do país de inovar, desenvolver novas tecnologias e resolver problemas complexos em áreas estratégicas como saúde, energia, meio ambiente e educação. Além disso, a "fuga de cérebros" prejudica a formação de novas gerações de cientistas, já que a diminuição de mentores experientes nas universidades brasileiras pode impactar também a qualidade do ensino e da pesquisa.

Diante desse cenário, é urgente que o Brasil adote uma estratégia robusta de mitigação do problema. Esse planejamento deve incluir a recuperação dos investimentos em ciência e tecnologia e a criação de mecanismos e políticas públicas para valorizar e reter talentos no país, assim como para valorizar as instituições de ensino superior e aqueles que a compõem, com políticas de permanência estudantil e reajustes salariais de docentes e técnicos administrativos.

Fica evidente, portanto, que a diáspora na ciência brasileira não é um fenômeno isolado, mas um sintoma de problemas mais amplos na forma como o país valoriza e investe em ciência. Reverter essa tendência exige uma mudança de paradigma, em que as universidades (estaduais como a USP e Unicamp ou Federais como a Unifesp, UFMG e UFRJ) e institutos de pesquisas (como Burantan, Embrapa e Fiocruz) públicos sejam consolidados como os centros de excelência em pesquisa que são e que a ciência seja vista como um pilar fundamental para o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional. Somente com uma política sólida e de longo prazo, que priorize a formação de qualidade desde a educação básica até o nível superior e que ofereça condições de retenção de cientistas, o Brasil poderá reverter essa "fuga de cérebros" e garantir um futuro mais próspero e inovador para as próximas gerações.

Soraya Smaili , Maria Angélica Minhoto , Pedro Arantes , Tamires Tavares e Renato Sergio Balão Cordeiro

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