Sylvia Colombo

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Guerra das Malvinas, 40 anos depois

Levou quatro décadas, mas grande parte dos soldados mortos estão identificados

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Buenos Aires

O cemitério de Darwin é um dos lugares mais tristes desta América Latina. Localizado num inóspito descampado, onde, como em todo o território das Ilhas Malvinas/Falklands, venta muito. O único som que se ouve são dos terços pendurados nas cruzes, que se chocam contra elas ao sabor da movimentação do ar. As visitas são raríssimas, os soldados enterrados ali têm suas famílias vivendo, em sua maioria, em províncias distantes da Argentina. O deslocamento é caro e travado por burocracias. Na maior parte do tempo, não há ninguém ali. Um cuidador passa entre as tumbas uma ou duas vezes por semana, para checar se está tudo bem, se alguém tentou roubar (já tentaram) a imagem da Virgem Maria que está num dos cantos do cemitério, mais nada. Jornalistas e curiosos são poucos, mas às vezes aparecem.

Mulher chora diante da sepultura de um militar argentino morto em 1982 durante a Guerra das Malvinas
Mulher chora diante da sepultura de um militar argentino morto em 1982 durante a Guerra das Malvinas - Reuters/Telam

Uma das poucas novidades do aniversário de 40 anos da Guerra das Malvinas, iniciada em 2 de abril de 1982, é que grande parte das sepulturas do cemitério argentino de Darwin estão hoje identificadas. Quando estive na ilha, na ocasião dos 30 anos do conflito, era de cortar o coração ver quase todas as tumbas com a inscrição "Soldado argentino, apenas conhecido por Deus". Nas raras visitas promovidas em ações de solidariedade dos governos argentino e britânico para que familiares fossem até ali visitar a um ser querido _vale lembrar que a maioria dos 650 mortos argentinos eram garotos que recentemente haviam começado a prestar o serviço militar_ os familiares chegavam, desorientados, e colocavam flores, abraçavam ou choravam sepulturas aleatórias, pois não sabiam qual delas era de seu filho, irmão, marido ou namorado.

As ações solidárias de ambos os governos, que politicamente mantêm a disputa pela soberania das ilhas, não devem ser desprezadas apesar dos percalços bélicos e eleitoreiros que sempre as acompanharam.

Aqui vale lembrar que uma iniciativa iniciada em 2012 pela ex-presidente Cristina Kirchner, e retomada por seu rival e sucessor Mauricio Macri, com apoio do governo das ilhas, que finalmente conseguiu juntar esforços para a tão esperara identificação dos corpos, já tentada outras vezes, mas sempre cheia de obstáculos.

Em 2016, o projeto foi aprovado e equipes do Comitê Internacional da Cruz Vermelha e da Equipe Argentina de Antropologia Forense (célebre pelo trabalho de identificação de ossadas em diferentes partes do mundo), desembarcaram na ilha. O mau tempo e a dificuldade de trabalhar depois de tantos anos dos enterros originais geraram inúmeros problemas. Mas os especialistas tiveram uma ajuda que adiantou anos de trabalho.

Terminado o conflito, em junho de 1982, o então coronel britânico Geoffrey Cardozo, responsabilizou-se por documentar, do modo como podia, perguntando a sobreviventes, buscando em seus pertences, a identificação possível dos vestígios humanos dos argentinos caídos nas ilhas. Muitos deles sequer compunham um cadáver inteiro, eram pedaços de corpos. Se, naquele momento, essa lista rudimentar não serviu para uma identificação certeira de quem seria enterrado onde _operação que o próprio Cardozo coordenou_ nos dias de hoje, graças a um arquivo genético armado pelos especialistas, o cotejamento com os vestígios foi possível.

Cardozo chegou a ser nomeado para o Nobel da Paz pelo trabalho. Embora não tenha ganho, recebeu imenso reconhecimento pela atitude humanitária com relação aos perdedores da guerra.

Hoje, dos 237 corpos enterrados em Darwin, 115 estão identificados. Já houve mais de um voo especial levando as famílias para encontrar, finalmente, as sepulturas reais de seus parentes, agora com uma placa com seu nome e sobrenome, e não mais a frase "Soldado argentino, apenas conhecido por Deus".

Num país em que a palavra "desaparecido" tem um peso tão grande, saber onde está enterrado alguém que morreu de modo violento e, no caso dessa guerra, desnecessário, é de imenso valor ao país e à sociedade.

Uma pena que, neste aniversário de 40 anos, uma programada nova visita teve de ser cancelada, devido aos rígidos protocolos da ilha para a entrada de estrangeiros por conta do coronavírus.​

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