Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira

Chianti hoje é um vinho dos melhores

Vinho italiano tradicional, o chianti evoluiu muito nas últimas três décadas

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Florença

"Esqueçam o vinho da garrafa com palhinha pendurada nas cantinas", assim Luca Alves, chianti wine ambassador, abriu a masterclass Chianti Lovers Latam no início de agosto em São Paulo. "O chianti teve uma evolução qualitativa enorme nas últimas três décadas.Além da sua vocação natural para acompanhar a comida, hoje ele tem uma das melhores relações preço/qualidade do mercado."

A aula, seguida de degustação, foi dada a uma plateia de profissionais do vinho que já sabe que chianti é um ótimo vinho, muito superior ao vinho italiano gostosinho e barato do imaginário popular. Contudo, o objetivo da ação promovida pelo Consorzio Vino Chianti (associação de produtores), que se repete todos os anos com pequenas variações, é bater nessa ideia até que ela chegue aos ouvidos do maior número possível de consumidores de vinhos.

varanda com mesas com vista para colinas de vinhedos
Restaurante na Fattoria Lavacchio em Chianti Rùfina - divulgação

É necessária porque, apesar de ser um dos vinhos mais conhecidos do mundo, o chianti perdeu muito do seu prestígio entre os consumidores de maior poder aquisitivo, nos anos 1970 e 1980, quando grandes indústrias soltaram no mercado quantidades gigantes de garrafas de chianti barato e de baixa qualidade.

Não se sabe ao certo a origem do nome chianti. Sabe-se que, de início, ele se referia à área geográfica de onde hoje está Chianti Classico (desde 1996, uma denominação de origem separada do resto de Chianti), na Toscana, muito próximo a Florença. "O vinho chianti começa a aparecer na mesa de Florença na idade média", disse Alves.

Em 1716, o grão-duque da Toscana, Cosme III de Medici, demarcou e tornou protegidas por decreto quatro regiões que considerava mais adequadas à produção de vinho na Toscana e Chianti estava entre elas. Segundo Alves, o curioso é que no início o chianti era principalmente um vinho branco. Aos poucos, o chianti tinto foi crescendo em prestígio. No entanto, foi só em meados do século 19, com o trabalho do Barão Bettino Ricasoli, que a sangiovese se transformou na uva principal do vinho chianti. Hoje, pelas regras do consórcio, ela precisa representar, no mínimo, 70% do blend, sendo permitido usar também outras uvas tintas, como a canaiolo e a cabernet sauvignon, e até brancas, como a malvasia e a trebbiano.

Ao longo do tempo, a área conhecida como Chianti foi crescendo e pegou as províncias de Florença, Siena, Arezzo e Pistoia. Hoje são sete sub-regiões (Chianti Rùfina, Chianti Colli Aretini, Chianti Colli Fiorentini, Chianti Colli Senesi, Chianti Colline Pisane, Chianti Montalbano e Chianti Montespertoli), que abrangem uma área de 15,5 mil hectares de vinhedos, que produzem 800 mil hectolitros de vinho chianti por ano.

A aposta na qualidade passa por investimentos em tecnologia de campo e cantina, mas também pelo entendimento da riqueza que pode representar toda a diversidade contida nessa pequena área. Cada uma das sub-regiões têm um terroir próprio, ou seja, condições de topografia, solo, clima e cultura diferentes. Destacar essas identidades é uma forma de atrair o consumidor mais experiente que busca singularidade.

A sub-região que melhor entendeu isso foi Chianti Rùfina. A diferença de outras, seus vinhos sempre destacam a DOCG (Denominazione d'Origine Controllata e Garantita) Chianti Rùfina. Bastante próxima de Florença, é uma das mais antigas sub-regiões. Já fazia parte da área delimitada como Chianti por Cosme III.

Com altitudes entre 250 e 600 metros e fortes declives cobertos de matas, é a mais alta das sub-regiões. Isso faz com que seja mais fria e, portanto, suas uvas tenham uma maturação mais lenta, o que confere aromas mais delicados, de frutas frescas e flores, e maior frescor na boca. "Pense em um vinho elegante", diz Gerardo Gondi, diretor de marketing e vendas do grupo Marchesi Gondi, ao qual pertence a Tenuta Bossi. "É uma região muito pequena, que produz um vinho muito preciso".

fachada de um palácio italiano na região de chianti
A Tenuta Bossi, em Chianti Rùfina, é um belo exemplo das casas senhoriais da região - arquivo pessoal/Tânia Nogueira

Nela estão apenas 22 produtores dos 3600 que existem em Chianti. Bastante unidos, esses produtores decidiram em meados da década passada apostar ainda mais na precisão de seus vinhos. Criaram, então, uma marca coletiva, a Terraelectea, que posiciona alguns vinhos acima das três categorias já estabelecidas para todos os vinhos chianti.

Os chianti se dividem em annata (vinhos simples, com pouca ou nenhuma passagem por carvalho, leves, frescos e bons para o dia-a-dia), superiore (vinhos com um teor alcoólico um pouco mais elevado, encorpados, com um período mínimo de amadurecimento de 9 meses, sendo 3 ao menos na garrafa, que costuma passar por madeira), e riserva (vinho complexo, potente, com grande potencial de envelhecimento, com um mínimo de 24 meses de amadurecimento, dos quais ao menos 6 em barricas de carvalho).

"O Terraelectea, na verdade, é algo paralelo a essa classificação", explica Faye Lottero, que se define como wine artistic director (diretora artística de vinhos) da Fattoria Lavacchio, propriedade de sua família em Rùfina que combina um hotel-fazenda com produção de vinhos e azeites biodinâmicos. Uma marca coletiva, a nomenclatura Terraelectae só pode ser usada para vinhos de vinhedo único, sendo aquele vinhedo escolhido por seu proprietário como o seu melhor. Todo Terraelectae é também Chianti Rùfina Riserva.

"Nós não queríamos alguma coisa como o gran selezione do Chianti Classico, que é apenas uma escala acima do riserva", comenta ela. "Queríamos algo que expressasse a essência de Rùfina." Alguns vinhedos especiais, como os grand crus da Borgonha, representariam assim o que há de melhor na denominação.

Na Fattoria Lavacchio, o vinhedo eleito foi a Vigna Casanova, dois hectares sangiovese foram plantados em 1963. "Ele já produzia um vinho especial, que chamava Ludie", conta Faye. "Mas tivemos que mudar o nome porque, para usar marca Terraelectae, o nome do vinho tem de ser o nome do vinhedo ou um topônimo associado a ele."

Poggio Diamante é o nome do Terraelectae da Tenuta Bossi. A história da família conta que ele foi implantado no século 19 pela viúva Marie de Labrugiere, antepassada Gerardo e seu pai, que é o atual marquês. Boa parte dos produtores de Rùfina, por sinal, são de famílias nobres, mesmo que isso não esteja no nome da vinícola. Quando for visitar alguma delas, procure pela árvore genealógica na parede.

Esse é o caso também da Azienda Agricola Colognole. Seu atual administrador, o marquês Cesare Coda Nunziante, descende também do conde Spalletti por parte de mãe, em cuja família a propriedade está há cinco gerações. Muito simples e gentil, até meio tímido, Nunziante explica que o Vigneto Le Rogaie é especial por uma série de fatores, dos quais destaca o fato de ele estar atrás de uma montanha onde o sol se põe uma hora antes e o fato de passar por ali um riacho subterrâneo. "Quando o sol se põe atrás do morro, ainda temos uma hora de bastante luz", explica. "Então, a planta faz fotossíntese. Mas como a luz não bate diretamente nas uvas, os aromas ficam mais finos. Já o riacho dá a água que o vinhedo precisa. Ele sofre menos que outros vinhedos, por isso rende um vinho mais equilibrado".

fachada de um capela de pedra medieval
Capela medieval na Azienda Agrícola Colognole em Chianti Rùfina - arquivo pessoal/Tânia Nogueira

Antes de 2017, quando o projeto deslanchou de vez, muitos vinhateiros, como os três citados acima, já produziam seus rótulos de vinhedo único, sempre rótulos especiais e mais caros. Desse modo, foram capazes de engarrafar seus primeiros Terraelectae já em 2018 simplesmente mudando o rótulo. Alguns, como a Fattoria Selvapianna, tinha até mais de um vinho de vinhedo único. Nesse caso, tiveram de escolher aquele que achavam que melhor expressava as qualidades de seu terroir. A Selvapianna escolheu o Vigneto Erchi Riserva, cuja safra 2018 recebeu 95 pontos da revista inglesa Decanter.

Outros, como a Fattoria di Doccia, ainda não tinham investido em vinificar e engarrafar separadamente parcelas de melhor qualidade. "No início, ficamos em dúvida sobre qual seria o nosso Terraelectae", conta o jovem Leonardo Sardelli, da terceira geração dos produtores. "Temos dois vinhedos bastante especiais, o Casali e o Casale (os nomes são parecidos mesmo). Agora decidimos pelo Casali. Vamos ver como fica a safra 2023. Não sei se conseguiremos lançar nosso Terraelectae para esta safra."

Tudo isso é muito novo e não chegou ainda ao Brasil. Muitos desses produtores nem são importados para nosso país (embora alguns estejam a procura de importador). As produções de Terraelectae são mínimas. Então, são vinhos caros. Contudo, se você quiser prová-los, pode experimentar as safras anteriores do Fattoria Lavacchio Ludie, por exemplo, que saem entre R$ 924,00 e R$ 1.018,00, na importadora Mondo Roso (roso@mondoroso.com), ou do Frescobaldi Montesoldi, cuja safra 2016 sai por R$ 1.176,00 na Winebrands.

A maioria dos mortais, no entanto, pode se divertir bastante com os chianti comuns de bons produtores de Rùfina ou outras sub-regiões que não custam nem um quinto disso.

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