Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira

Não é de hoje que a França precisa descartar vinho

Destilar vinho e arrancar vinhedos há muito é forma de regular mercado

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São Paulo

A ideia de milhões de litros de vinho francês virando álcool para limpeza e de vinhedos sendo arrancados fora nos belos campos de Bordeaux chega a causar revolta – principalmente quando sabemos que governo e produtores preferem isso a vender mais barato. Nós pagando tão caro por uma garrafa de vinho, e eles preferindo jogar fora a baixar o preço… É de matar de raiva! Seja por provocar ódio, dor no coração ou apenas curiosidade, a notícia do anúncio de que o governo francês destinará 200 milhões de euros (mais de R$ 1 bilhão) para destilar vinho e ajudar produtores a substituir vinhedos por outras culturas, como oliveiras, está bombando na internet desde a semana passada.

A regulação de estoques e preços por meio de destruição de mercadorias, no entanto, é quase tão velha quanto o capitalismo. Lembra da Lei da Oferta e da Procura? Esse fenômeno espontâneo que rege os mercados faz com que os preços abaixem quando o estoque de um determinado produto sobe demais, seja por excesso de produção, por queda nas vendas ou ambos. Quando esses preços caem abaixo dos custos de produção, é comum os governos criarem subsídios e inventarem formas de evitar uma quebradeira geral desse ou daquele setor. No caso do vinho, as soluções mais comuns são transformar vinho em álcool e arrancar vinhedos.

vinhedo em bordeaux
A região de Bordeaux foi uma das mais afetadas pela crise, mas os grandes châteaux não serão afetados - arquivo pessoal/Tânia Nogueira

"É uma prática bastante comum, especialmente na França e na Itália", diz Rodrigo Lanari, da consultoria Winext. "Não se fala disso, porque tira o glamour, mas vinho é um mercado muito comoditizado. Claro, estamos falando de vinhos mais correntes, para o dia-a-dia". Os vinhos que viram álcool são vinhos tão baratos que mal chegam ao Brasil ou, quando chegam, aparecem nessas compras de oportunidades (flash sales) de alguns ecommerces. Ninguém vai destilar vinho ou arrancar videiras de um grand cru. "Bordeaux é uma das regiões mais atingidas, mas ali não se produz apenas vinhos caros, há produção também de volume."

Os tanques dessas empresas que produzem volume não têm espaço para acomodar a safra 2023 que começa a ser colhida. Estão cheios de vinhos de safras passadas. Uma série de fatores levaram a esse excedente de estoque: a baixa no turismo e o fechamento de restaurantes pela Europa durante os anos da pandemia, um aumento no custo de vida e uma crise financeira provocados pela pandemia e pela guerra na Ucrânia, um menor consumo de bebidas alcoólicas pela população mais jovem e a queda drástica nas importações da China. Segundo dados da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), as importações de vinho pela China caíram de 8 milhões de hectolitros, em maio de 2018, para 3,4 milhões de hectolitros, em dezembro de 2022. Em euros, essa queda representou uma baixa de 1,2 bilhões.

Para Lanari, contudo, essa crise não é passageira. "É estrutural", afirma. Dados da OIV sobre consumo e produção de vinhos no mundo de 1996 a 2021 mostram uma defasagem constante, com produção sempre muito acima do consumo. A curva varia de acordo com a produtividade de cada safra, mas o consumo sempre fica muito abaixo da produção (com exceção de 2017). .
Diante dessa defasagem, na década passada, a União Europeia, os governos e as associações de produtores da Europa investiram bastante na promoção de seus vinhos em diversos países fora da Europa e em novos mercados. "Em 2017, parecia que a equação estava equalizada, com produção e consumo quase iguais, mas veio uma super safra e depois a pandemia. O fato é que se produz mais do que se consome e os governos ficam garantindo o equilíbrio artificialmente. Eu fico desesperado de ver como tem surgido vinícolas novas no Brasil, por exemplo. O pessoal planta sem saber se tem para quem vender."

No momento, segundo o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS), onde está concentrada a maior parte da produção, o setor vitivinícola brasileiro não está precisando recorrer a descartes. Os estoques estão no nível desejado. No entanto, nem sempre foi assim. "Atualmente, nós estamos com os estoques regulados", conta Adriano Miolo, superintendente do Grupo Miolo, sobre a experiência nas suas empresas. "Nossa produção está em linha com as vendas. Possuímos apenas um pequeno estoque regular que nos permite fazer frente às pequenas oscilações de safras, mas em 2015 estávamos com estoques muito altos. Foi muito difícil acomodar a vindima de 2015, mas por fim foi bom termos grandes estoques porque em 2016 teve uma das maiores geadas tardias da história que provocou uma quebra de mais de 60% da produção dos vinhedos do Rio Grande do Sul. Ter estoques nos permitiu fazer frente à demanda de nossos consumidores e até conseguimos negociar esses estoques com outras vinícolas. De lá para cá, os estoques permaneceram regularizados."

Adriano lembra que, à diferença do Brasil, o plantio de vinhedos na União Europeia é controlado pelo estado. É preciso ter uma licença para plantar um vinhedo. "Essa é mais uma forma de regular os estoques", diz. "Só permitem plantar um novo vinhedo quando há demanda. Quando acontece como agora, eles primeiro promovem a destilação. Se não for suficiente, recorrem a uma campanha de arranquio para regular o mercado."

Ou seja, não chore pelo vinho derramado e desista de pagar preço de banana por um vinho de viticultores desesperados.

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