Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira

Pét-nat, vinho de fruta e outras alquimias para suportar o calor

Temperatura recorde desafia amante de vinho a buscar opções menos alcoólicas

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Este domingo é o dia mais quente de toda a história da cidade de São Paulo. Logo no início da primavera... E ainda tem quem não acredite no aquecimento global! Outros, como eu e a torcida do Corinthians, até apoiam medidas para tentar evitar isso, mas, no fundo, assistem o circo pegar fogo conformados com uma taça na mão. Como está quente pra dedéu, é bom que seja uma taça de algo fresquinho.

Qual a melhor bebida para refrescar em dias de calor como este? Um vinho branco gelado, um espumante, uma cerveja estupidamente gelada? Sinto informar, mas a bebida mais indicada numa onda de calor como a atual é água. Sucos naturais e chás gelados também podem ajudar a hidratar e manter a temperatura do corpo.

Álcool não só aumenta a temperatura corporal como também desidrata. O melhor seria ficar longe dele. No entanto, como sei bem que o leitor não deve estar disposto a abrir mão de uma dose de veneno que lhe traga alguma alegria neste início apocalíptico de primavera, sugiro que escolha bebidas menos alcoólicas.

Taça e garrafa com vinho de amora produzido pelo Sítio Graúna, em Minas
Nos dias muito quentes o consumidor de vinho precisa buscar alternativas pouco convencionais como os vinhos de frutas - Instagram/@tinto_ou_branco

Cerveja seria o caminho mais natural, mas, se você, como eu, não é do time da cerveja, a solução é procurar por vinhos menos alcoólicos. Já ouviu falar de pét-nat? Pét-nats são espumantes feitos por um método ancestral. Passam por uma única fermentação, que começa no tanque e termina na garrafa.

Fermentação alcoólica é a ação de leveduras que transforma açúcar em álcool e gás carbônico. A maioria dos espumantes que tomamos passa por duas fermentações. A primeira é feita em tanques, cubas ou até barricas e a segunda pode ser feita na garrafa fechada (método clássico) ou em tanques pressurizados (método charmat) que não deixam o gás escapar.

prato de feijoda ao lado de taça e garrafa de pét-nat
No post do Instagram, o pét-nat Patinete enfrentando uma feijoada - Instagram/@tinto_ou_branco

Os espumantes costumam ser feitos a partir de uvas colhidas quando ainda apresentam alta acidez e não desenvolveram totalmente seus açúcares. Por isso, o vinho base, aquele produzido na primeira fermentação, costuma não ser muito alcoólico. Para que possa acontecer a segunda fermentação, os enólogos acrescentam açúcar a esse vinho base. Assim, o resultado final costuma ter um teor alcoólico entre 11,5% e 13% (o que já é menos alcoólico do que tintos que podem ultrapassar os 15%).

Os pét-nats, no entanto, como não passam por uma segunda fermentação, precisam contar com o açúcar da própria fruta para produzir todo álcool e todo gás. Por mais que a uva possa ser colhida um pouco mais madura, como tem de ter bastante acidez, ela nunca é colhida muito doce. Assim, a dosagem alcoólica dos pét-nats costuma ser ainda mais baixa do que a dos outros espumantes. O Patinete, um pét-nat de malvasia bianca da Faccin Vinhos, de Monte Belo do Sul, na Serra Gaúcha, por exemplo, tem 10% de álcool. É um vinho bastante seco, com aromas de leveduras, especiarias e melão. Sai por R$ 152,00 no site da vinícola.

Não bebi num dia quente. Foi em maio do ano passado, lá na vinícola. Estava até bastante frio, mas ficou ótimo com lareira, o salame e a polenta servidos pelo produtor. Mais tarde, voltei a tomá-lo em São Paulo, acompanhando muito bem uma feijoada.

Outra alternativa é o moscatel, um tipo de espumante no qual o Brasil é mestre. É feito pelo método asti, que emprega também somente uma fermentação. Essa acontece no tanque pressurizado (autoclave) e é interrompida por um choque térmico (gelado) quando a bebida atinge o teor alcoólico e o teor de açúcar desejados pelo enólogo. Quanto mais doce menos álcool.

Ah, mas você não gosta de vinho doce… Gosto é gosto. Respeito, mas não venha me dizer que vinho doce é obrigatoriamente de baixa qualidade! Muitas vezes o açúcar é usado para disfarçar defeitos e para conquistar paladares menos experientes, concordo. No entanto, isso não significa que todo vinho doce ou meio doce seja sempre ruim. O silogismo não fecha.

Também não amo a maioria dos moscatéis que encontramos por aí, apesar de reconhecer que boa parte deles tem muita qualidade. Não amo porque não sou chegada nas uvas de aromas terpênicos (aquela coisa que lembra lichia misturada com lírio, hahaha). São elas as uvas da família das moscatos, a riesling itálica, a gewurztraminer e a torrontés, entre outras. O moscatel da Serra Gaúcha costuma ser feito de moscato. Daí meu problema com ele.
Com o vinho, no entanto, aprendi que meu paladar sempre abre uma exceção quando se encontra diante de algo especial. Esse foi o caso do Vitale, um espumante moscatel de 2014 da Valparaiso Vinhos e Vinhedos, em Barão, na Serra Gaúcha.

garrafa e taça de espumante ao lado de um prato de tempura
O Vitale, um moscatel de 2014, ficou ótimo com tempura de legumes - Instagram/@tinto_ou_branco

Ganhei esse espumante quando fui visitá-los e achei que não ia gostar. Levei num almoço, só para experimentar, junto com outras garrafas de vinhos que eu pretendia beber. Acabei bebendo só dele praticamente. Ele não é de moscato. É de torrontés, a uva argentina. Mas os aromas são da mesma família.

Com a idade, no entanto, o Vitale perdeu o excesso de floral. Está com aromas evoluídos incríveis de panificação, alguma oxidação que lembra um jerez. Porém, mantém o frutado. Delicioso. A acidez compensa completamente o açúcar. Ficou incrível com tempura de legumes. Tem apenas 7,5% de álcool. É super elegante. Custa R$ 149,00 (mas vale mais) no site da vinícola.

Para baixar a dosagem alcoólica, você pode também partir para algo ainda mais diferente, algo completamente novo, como o hidromel e os vinhos de frutas. Novo pro povo da capital, né? Porque, no interior, todo mundo conhece os dois há muito tempo. Só que hoje encontramos uma versão um pouco diferente daquilo que se bebia tradicionalmente no interior. Em geral, um pouco mais seco.

No caso do hidromel, é bom conferir o teor alcoólico, porque há produtores que fazem com 13% ou mais. Fermentado de água com mel, o hidromel é uma das bebidas mais antigas da humanidade. Senão a mais antiga. Pode ter borbulhas ou não. Tudo depende de se a fermentação acontece em ambiente fechado ou aberto.

O Hidromel Borbulhante Abelha Jataí, da Companhia dos Fermentados, por exemplo, tem apenas 10%. Custa R$ 119,00 no site da empresa, que começou produzindo kombuchas e hoje faz um número incrível de fermentados alcoólicos diferentes. Têm o Borbulhante de Abacaxi, uma mistura de água, fermentado alcoólico de abacaxi, gengibre e calêndula, que é vendido em latas de 269 ml e custa R$ 16,00. O Borbulhante de Mirtilo, também em lata, mesmo preço, que combina água, fermentado alcoólico de mirtilo, amora e maracujá, infusão de chá verde, infusão de hibísco e açúcar cristal orgânico. Ambos têm paladar seco e 6% de álcool. Além disso, eles têm sidras e também vinhos de frutas.

Profissionais e amantes mais tradicionais de vinho odeiam que se chame de vinho aos fermentados de outras frutas que não a uva. Por lei, de fato, essas bebidas não são vinhos. Porém, é tradicional, por exemplo, o uso do termo vinho de jabuticaba no interior de Minas. E a galera dos vinhos naturebas usa direto. Então, vou usar aqui e, se vocês disserem que usei, eu nego.

garrafas de bebidas sobre uma mesa diante de uma janela
O Sítio Graúna, no interior de Minas Gerais, produz vinhos de frutas e hidromel Gurita, todos com baixo teor alcoólico - divulgação

Esse tipo de coisa a gente não encontra em supermercado. As produções são pequenas. É por isso que estou aqui para dar o caminho das pedras. Em Paraisópolis, no Sul de Minas, por exemplo, o Sítio Graúna produz vinhos e pét-nats de diversas frutas orgânicas do próprio sítio, como morangos, amoras e physalis.
Os que provei eram frescos e muito gostosos. Sempre secos, mas com aromas que remetem às frutas (isso não é regra, às vezes, o vinho de fruta tem mais aroma de fermentação do que de fruta).Produzem também o hidromel com fruta, que é conhecido como melomel. Atualmente, eles só têm em estoque os vinhos de morango, amora e frutas vermelhas, que custam R$ 55,00 no sítio ou no whatsapp +35 9209-9079. A próxima safra deve ser em dezembro.

garrafa sobre mesa de bar
Um híbrido de vinho, hidromel e vinho de frutas, o Frambô é uma boa opção para dias de calor. Na foto, a garrafa em uma das mesas do Montaneus Bar e Cozinha, em Farroupilha - divulgação

E tudo isso pode ainda ser cofermentado com uvas, como é o caso do Frambô, um borbulhante de hidromel com framboesa e chardonnay, com 10% de álcool, da Montaneus Vinhos Artesanais, em Farroupilha, na Serra Gaúcha. Ainda não provei, mas essa não é a primeira experiência de cofermentação da vinícola que tem rótulos em restaurantes badalados como o Mani e o Dom, de São Paulo. No meio da pandemia, eles lançaram dois rótulos muito interessantes, um de malvasia candia e kiwi (Campos Neutrais) e um pét-nat de kiwi e caqui (Cawi).Para provar o Frambô, você pode ir a Farropilha, no Montaneus Bar e Cozinha, onde encontra também alguns exemplares raros de vinhos de frutas de produção muito limitada e vários outros vinhos naturebas deles e de outros produtores. Pode também comprar o Frambô pelo Instagram da vinícola (R$ 95,00).

Eu sei, não vai dar tempo de você sair agora para comprar esses vinhos e similares. No entanto, pode comprar alguns rótulos de baixo teor alcoólico, porque não faltarão dias quentes para você bebê-los. Para este domingo escaldante, sugiro que pegue um espumante comum, não precisa ser nada caro, e misture com um suco de fruta. Laranja, pêssego ou frutas vermelhas ficam ótimos. É um drinque fácil de fazer e gostoso, Pode até pôr uma pedra de gelo.

Porém, não esqueça, para cada taça de bebida alcoólica, beba outra de água. Assim, acho que sobreviverá à onda de calor.

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