Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira
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Visitar região dos vinhos mais cobiçados do mundo não sai caro

Embora vinhos custem fortunas, turismo na Borgonha tem preço normal

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Os vinhos da Borgonha são os mais caros do mundo. Com muita sorte, você pode encontrar o vinho mais simples de um bom produtor, um bourgogne genérico, tanto tinto quanto branco, por um pouco menos de 400 contos. Se for um village (um degrau acima do genérico) de uma sub-região menos famosa, como o Mâcon, pode ser um pouco mais barato. Das sub-regiões de maior prestígio, no entanto, como Montrachet ou Vosne-Romanée, os preços de garrafas simples se aproximam de mil reais. É em Vosne-Romanée que está o Domaine de la Romanée-Conti, que produz o vinho considerado como o mais caro do mundo (fora edições especiais ou safras antigas de outros vinhos). Difícil de comprar mesmo na França, pode custar mais de 20 mil euros.

Não é que, nas minhas férias, em julho, passei três noites nessa região e até visitei os vinhedos do Romanée-Conti. Não, não sou milionária. Muito pelo contrário. Acontece que, apesar de os vinhos serem tão caros, fazer enoturismo na Borgonha não é mais caro do que fazer enoturismo em qualquer lugar da Europa. Até as degustações têm preço normal.

balde com o nome Bourgogne na frente de algumas garrafas
Os vinhos da Borgonha são cultuados no mundo todo - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Na minha opinião, isso vai mudar e não vai demorar muito. Por isso, estando na Europa a trabalho, decidi aproveitar, estender a viagem e conhecer a tão cultuada Borgonha. Sim, eu visito vinícolas nas minhas férias!

Na verdade, o turismo por ali ainda é pouco explorado. Não sei se é por não precisarem ou se por não perceberem o potencial do negócio de enoturismo, muitas vinícolas não têm um programa para turistas e várias se recusam a receber visitas. Porém, não desanime. A região tem tantos pequenos produtores que, mesmo em minoria, há vinícolas abertas ao turismo em número suficiente para preencher suas férias. E a região tem outras atrações.

Uma boa ideia é contratar um serviço de guia especializado em vinhos. Um serviço desses pode abrir muitas portas. Ainda mais se você escolher a empresa certa. Eu entreguei minha vida por um dia (eram para ser dois, mas a Air France cancelou meu voo de Bolonha, na Itália, para Paris e perdi um dia) nas mãos da Viti Wine Tours, mais especificamente nas mãos da proprietária, a brasileira Pryscila Gashi Musso. Não me arrependi nem um pouco.

Estrada com um vinhedo e umas casas ao fundo
As estradas que cortam os vinhedos da Borgonha são em si um passeio delicioso - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Publicitária, Pryscila foi fazer um ano sabático na França e não voltou mais. Apaixonou-se por um francês e por vinhos. Casou-se, estudou turismo e vinhos. Mais do que uma guia, é uma professora. Um dia com ela foi uma aula de Borgonha.

Pryscila cria roteiros customizados de acordo com o interesse, a disponibilidade e o grau de conhecimento dos viajantes. Ela mesma dirige o carro que comporta até 8 turistas (mas pode alugar um outro carro, se necessário). Cobra a partir 750 euros por dia (pense que você pode dividir isso com um grupo de amigos), mais os gastos com vinícolas que eventualmente cobrem a visita. O almoço é num restaurante do nível que a turma desejar. Pode até ser um piquenique, se o grupo assim quiser.

Como a guia explica, a Borgonha tem duas sub-regiões (ou denominações, ou apelações) principais. Ao sul da linda cidadezinha de Beaune, onde fiquei hospedada, está a Côte de Beaune. Lá o forte são os vinhos brancos (quase sempre chardonnay). Ao norte, a Côte de Nuits. Lá o forte são os tintos (quase sempre pinot noir). No entanto, há grandes vinhos brancos e grandes tintos por todos os lados.

Casa de estilo medieval francês
Beaune fica no centro da Cotê d'Or, entre a Côte de Beaune e a Côte des Nuits - arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

O ideal é reservar, no mínimo, um dia para a Côte de Beaune e outro para a Côte de Nuits, já que ambas se subdividem em inúmeras apelações menores. E essa é a sua chance de conhecer as mais famosas. No meu caso, não foi possível, por causa do cancelamento do voo..

Ainda assim, Pryscilla deu um jeito de me mostrar bastante coisa. A região é pequena, o problema é o tanto de coisa que a gente quer ver. Saímos cedo e fomos primeiro para a Côte de Beaune, mais especificamente, para Chassagne-Montrachet, o pontinho do universo onde se produz os melhores chardonnays. Uma vilinha linda com casas que parecem tiradas de um desenho do Asterix.

Fomos visitar o Domaine Jean-Noël-Gagnard, uma vinícola pequena, que tem 14,5 hectares de vinhedos e pratica viticultura biodinâmica. Como é comum na Borgonha, eles têm pequenos pedaços de terra espalhados por vários cantos, fileiras em vinhedos especiais, classificados como premier cru, ou ainda mais especiais, classificados como grand cru.

homem e mulher em um vinhedo
Pryscila e Hubert nos vinhedos do Domaine Jean-Noël-Gagnard - arquivo pessoal/tinto_ou_branco

O que faz um vinhedo ser mais especial do que o outro é o seu micro terroir: o solo, a inclinação, a exposição solar, as brisas que passam por ele, enfim, as condições que determinam a qualidade do vinho. Na Borgonha, e só na Borgonha, eles chamam isso de climat.

A visita, claro, já tinha sido agendada por Pryscila. Quem nos recebeu foi Hubert, genro do Jean-Noël, que está com 97 anos. Visitamos os vinhedos, conhecemos a vinícola, que fica embaixo da casa da família, e seguimos para a pequena lojinha Vignes & Vergers, a 100 metros do vinhedo, já na vila, onde fica a sala de degustação da vinícola.

Lá provamos seis vinhos. Começamos com um hautes côtes de beaune branco, que é um vinho tirado dos vinhedos mais altos, que até pouco tempo atrás era um tanto desvalorizado por ser alto e frio demais. Com o aquecimento global isso está mudando. Ainda assim, os hautes côtes de beaune, assim como também os hautes côtes de nuits, ainda são mais baratos do que os vinhos de apelações mais tradicionais.

Na sequência, provamos três brancos de vinhedos premier cru diferentes: Clos La Maltroie, Les Champs Gain e Les Caillerets. Todos deliciosos, mas um muito diferente do outro, apesar de serem todos de chardonnay. Isso é causado pelas diferenças de terroir. Então, provamos um village, ou seja, apenas chassagne-montrachet, tinto. E um premier cru tinto, um tinto de outra apelação, Santenay, do vinhedo Clos de Tavannes. Por tudo isso, ele me cobrou 20 euros.

Se você quiser conhecer cada um desses lugares online, basta entrar na página do Jean-Noël-Gagnard no site dos vinhos da Borgonha. Vai ver fotos 360 graus de cada denominação onde eles têm vinhedos.

Saindo de lá, pegamos a D974 em direção de volta para Beaune. Um pouco antes de chegar à cidade, avistei um château imponente com um belo vinhedo na frente. Era o Château de Pommard, nossa próxima parada. Ele fica numa sub apelação que também se chama Pommard, ainda fica na Côte de Beaune, mas que produz apenas tintos. Seus vinhos são considerados os mais carnudos, estruturados e encorpados da Borgonha. Pinot noir com musculação.

Quatro garrafas de vinho no muro de um vinhedo
Vinhos que degustamos no Château de Pommard - crédito pessoal/ tinto_ou_branco

O palácio é lindo. Construído por Vivant Micault, um dos secretários do rei Luís XV, lembra mais as construções de Paris ou de Bordeaux do que da Borgonha. Os atuais proprietários são norte-americanos e o estão renovando. A ideia é ter restaurante e toda uma infra-estrutura para receber turistas. A parte que está aberta ao público durante a reforma é bem bonita. O château oferece degustações a partir de 20 euros. Há profissionais treinados para receber turistas.

Na Borgonha, quando um vinhedo é inteiro de um único proprietário, eles o classificam como um monopole. O belo vinhedo que vi da estrada na frente do Château de Pommard é o monopole Clos Marey-Monge (clos é uma terra murada). O maior monopole da Borgonha, ele tem 20 hectares, subdividido em sete parcelas. Cada uma delas tem uma composição de solo diferente.

O château produz um vinho para cada uma dessas parcelas e dois blends diferentes das sete parcelas. Provei um branco, que vinha de um vinhedo deles em outra região e três tintos: o Château de Pommard Clos-Marey-Monge Micault, que era da parcela de vinhedos bem em frente à janela da sala onde estávamos fazendo a degustação, o Château de Pommard Clos-Marey-Monge Grands-Esprits,outra parcela, e o Château de Pommard Clos-Marey-Monge Monopole, um vinho feito da mistura de várias parcelas.

Então, seguimos para a Côte de Nuits, mas a narrativa das aventuras por lá terá de ficar para um segundo texto que vou postar na quinta-feira. Pois esta história já está muito longa. Não deixem de ler. Vou contar como fui parar nos vinhedos do Romanée-Conti, a visita a uma vinícola medieval e o passeio que nos transporta à época da Guerra dos 100 anos, entre outras coisas.

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