Maternar

No blog, as mães Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti abordam as descobertas do início da maternidade

Maternar - Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti
Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti
Descrição de chapéu maternidade amor de mãe

Minha mãe morreu, e um filme passou pela minha cabeça

Diná viveu boa parte de sua jornada dentro de um teatro para me proporcionar uma vida melhor e nada comum

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São Paulo

Minha mãe morreu no domingo, 23 de junho, às 19h21, aos 87 anos. Apesar de ela estar muito doente há tempos, e esperarmos pela má notícia em breve, sempre dói quando acontece. Assim que eu soube que o coração dela havia parado, um filme passou pela minha cabeça. Lembrei de todos os seus gestos como mãe, a melhor que eu poderia ter.

As primeiras memórias que tenho dela são com os gatos. Como ela os amava! E ela me protegia quando um deles aparecia na janela do meu quarto com um passarinho na boca, querendo mostrar orgulhoso sua caça, e eu gritava como louca de susto. Ela prontamente vinha "me socorrer", sem medo. Com baratas e ratos, tinha a mesma determinação para "me salvar".

Lembro muito dos tempos de escola, quando ela saia cedo para trabalhar e eu ia para a aula na rua de casa. Ali no Marcílio Dias, colégio público maravilhoso, eu almoçava, estudava e ganhava um Toddynho no lanche da tarde. À noite, quando ela chegava do trabalho, tinha pique para preparar um jantar gostoso para nós, enquanto eu assistia à minha série favorita na vida, "Anos Incríveis".

A imagem mostra uma pessoa idosa sorrindo e segurando uma flor amarela ao lado da cabeça. Ela está vestindo uma jaqueta azul escura com detalhes brancos e uma camisa preta por baixo. Ao fundo, há uma estrutura de madeira e uma construção de tijolos com telhado de telhas. O ambiente parece ser um jardim ou quintal.
Ondina Ramos Bollonhi, conhecida como Diná, em seu refúgio em Bofete, no interior de São Paulo - Arquivo pessoal

Diná, como todos a conheciam, sempre foi famosa pela mão boa para cozinhar. Especialmente doces (pudim de quatro leites) e o delicioso camarão na moranga. Uhmmm. Comida de mãe, realmente, não tem igual. Sinto até o cheiro.

Aí fui crescendo e virando uma adolescente rebelde, roqueira e contestadora. Era a época do grunge, e eu só tinha roupas largas e camisas de flanela amarradas na cintura. Eu nunca entendi porque ela queria sempre me vestir como uma princesa. Ela vivia me trazendo roupas chiques e cheias de frufrus de algum brechó descolado do centro de São Paulo.

Mas, ao mesmo tempo, ela entendia tanto meu gosto que me proporcionou uma festa de 15 anos ao estilo rockabilly. Ela logo mandou fazer um vestido com blusa preta e saia rodada branca de bolinhas. Lindo, amei.

Quando completei 17 anos, ela me deu uma bateria no meio do meu aniversário, num restaurante japonês. E num outro, me apresentou toda orgulhosa à sua casinha simples em Bofete, interior de São Paulo, que ela chamava de "Refúgio da Tati". Na verdade, era o refúgio dela, o cantinho dela.

Mas as grandes lembranças que tenho da minha mãe estão relacionadas com o Teatro Cultura Artística, onde ela trabalhou no setor de bilheteria por 26 anos até se aposentar definitivamente, após incêndio no local que era como um filho para ela.

Muitas vezes minha mãe me levava para trabalhar com ela e eu comecei a me envolver com o mundo da arte bem de perto. Era comum brincar com as filhas dos artistas, enquanto ela estava na bilheteria e eles no palco. Frequentemente, atores e atrizes como Antonio Fagundes, Marco Nanini, Ney Latorraca, Jô Soares e Marília Pêra iam falar um oi para a Diná na bilheteria e saber como estavam as vendas de ingressos.

Um dos dias mais marcantes foi quando Ayrton Senna morreu. Num domingo de manhã, eu, tomando banho para ir trabalhar com ela, ouvi seu grito: "O Senna morreu". Saí do jeito que estava, agarrei uma toalha e falei que ela estava errada. Infelizmente, não estava.

Fomos trabalhar com cara de choro e os clientes que chegavam na bilheteria acabavam se deparando com uma tristeza coletiva e logo descobriam o motivo (na época a internet não era popular e as notícias chegavam de forma mais lenta), para eles mesmos desistirem de ver uma peça, abalados pelo choque.

Minha mãe sempre contou que ela foi abandonada por seus pais. Mas quando Diná tinha uns 85 anos, descobri que isso não era verdade, que a mãe dela, Olívia Maria, lutou para encontrá-la depois que ela tinha sido arrancada da sua convivência. Minha mãe não só não foi abandonada, como tinha irmãos e sobrinhos, uma família incrível e enorme (tudo corintiano, para desgosto da palmeirense fanática). Infelizmente não teve tempo de conhecê-los mais a fundo.

No fim da vida, ela também ganhou sua única netinha, Olívia (futura corintiana). Eu, assim como ela, engravidei aos 42 anos, e me dá muita alegria que vó e neta tenham se conhecido.

Mãe, mãezinha, Mãe Diná, obrigada por todas as lembranças tão cativantes e por me proporcionar uma vida tão incrível e nada comum ao seu lado.

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