Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira
Descrição de chapéu Todas

Como construir um vinho com a ajuda da ciência

Embrapa e Manus se unem para extrair o melhor do terroir da Serra do Sudeste

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Santana do Livramento

Vinho assyrtiko feito no Brasil? Que história é essa? Nunca tinha visto isso antes. A foto de algumas uvas dessa cepa grega num vinhedo do Rio Grande do Sul me chamou a atenção no Instagram. Desde que estive em Santorini, em 2011, adoro assyrtiko. Imediatamente, então, mandei mensagem pedindo mais informações. Resultado: uma viagem a Encruzilhada do Sul, na Serra do Sudeste, para conhecer um projeto de pesquisa muito interessante que está sendo desenvolvido em parceria entre a Manus Vinhas e Vinhos e a Embrapa Uva e Vinho.

A assyrtiko era apenas a ponta do iceberg. O objetivo de pesquisa é gerar dados sobre solo, clima, topografia, manejo e a relação entre algumas variedades e as outras variáveis, além da relação de diferentes métodos de vinificação com tudo isso. O campo de pesquisa são os 34 hectares da plantação da Vinhedos da Quinta, propriedade dos irmãos Diego, Francisco e Gustavo Bertolini e suas esposas, Daniela, Adriana e Marta, que também são sócios da Manus.

vinhedo com grama alta
A cobertura verde entre as fileiras dos vinhedos protege o solo e ajuda no combate natural a doenças e pragas - Tânia Nogueira/arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Há mais de 20 anos, a Vinhedos da Quinta produz uvas de muita qualidade para vender. Durante muito tempo 80% de suas uvas iam para a Chandon e o resto para pequenos produtores especiais, entre eles, vários dos naturebas. Em 2020, no entanto, os sócios decidiram fazer o seu próprio vinho e fundaram a Manus Vinhas e Vinhos. "Desde de 2010, eu fazia vinho por brincadeira", conta o arquiteto e designer Gustavo Bertolini, que a partir de 2018 assumiu a administração da Vinhedos da Quinta. Sempre usando as próprias uvas.

Tanto os anos como viticultor quanto aqueles como produtor amador de vinhos deram a Gustavo uma boa experiência e, principalmente, um bom conhecimento em relação às uvas de sua propriedade. "A gente via que o chardonnay de um lugar não era igual ao do outro", conta. "Queríamos saber por que? E como aproveitar melhor?"

Diego Bertolini, irmão e sócio de Gustavo, na época, era executivo do extinto Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho) e, numa viagem técnica a Petrolina, comentou sobre a experiência que ele e os irmãos tinham em Encruzilhada com José Fernando da Silva Protas, da chefia adjunta de pesquisa e desenvolvimento da Embrapa Uva e Vinho. Apesar de já produzir uvas desde os anos 1970, Encruzilhada é considerada como um terroir novo para o vinho brasileiro, uma terra desconhecida, onde há muito o que desbravar.

Claro, algo já se sabia sobre esse terroir, onde há vinhedos da Chandon do Brasil, da Casa Valduga, da ex . Apesar de se chamar serra, é uma região de colinas, onde é muito mais fácil a mecanização do que na Serra Gaúcha, área mais tradicional para a produção de vinhos. Os solos têm boa drenagem e são profundos. Há uma ventilação constante, o que é importante para evitar doenças trazidas pela umidade e uma maior amplitude térmica.

Assim, Protas se interessou logo pelo caso e sugeriu que fossem feitos brainstorms entre a equipe da Vinhedos da Quinta/Manus e pesquisadores da Embrapa. Daí surgiu a parceria público-privada para a realizar a pesquisa que recebeu o título de "Tecnologias para a otimização da produção de uvas de alto potencial enológico na região da Serra do Sudeste-RS".

garrafa de vinho
A assyrtiko é a uva da denominação de origem Santorini, na Grécia. Rende vinhos muito elegantes - reprodução

Investigar a adaptação de castas viníferas e o potencial enológico das uvas pouco comuns no Brasil é uma das linhas da pesquisa. Além da assyrtiko, eles estudaram as brancas alvarinho e vermentino e as tintas touriga nacional, saperavi e feteasca neagra. Na propriedade, há também as tintas bonarda e barbera. Disso já resultaram alguns vinhos, como o Liberum Assyrtiko, que me chamou a atenção, o Liberum Alvarinho, o Liberum Barbera Claret, o Clássico Nebbiolo e o Clássico Touriga Nacional.

Com a chardonnay e as tintas pinot noir, nebbiolo e teroldego, eles fizeram também um estudo de relação com as diferentes parcelas e seus diferentes solos. Daí resultaram os vinhos de parcela única da linha Clássico, como o Clássico Nebbiolo e o Clássico Chardonnay. Por que parcela única? Porque as investigações mostraram que existem 16 tipos de solo diferentes, todos de origem granítica. Daí se separou as parcelas.

Por meio de micro vinificações feitas na sede da Embrapa Uva e Vinhos (a Manus não tem cantina), foi detectado quais as parcelas em que cada uva se dava melhor. Essas então foram usadas para fazer os vinhos mais especiais.

Outra linha de estudo se concentrou nas leveduras autóctones, na sua seleção e na sua reprodução para uso nas vinificações. Leveduras selecionadas no próprio vinhedo confere muito mais personalidade aos vinhos, características próprias do terroir. Então, por que não optar logo por uma fermentação espontânea? Porque eles consideram que algumas leveduras nativas podem trazer aromas indesejados. "Estamos selecionando leveduras que não tenham o fator killer", conta o pesquisador Celito Crivellaro Guerra, da Embrapa Uva e Vinho. "Leveduras que não matem as que vêm com as uvas. Queremos uma levedura que tenha um perfil que domine, mas não que seja a única".

A safra de 2024 é a primeira feita a partir de leveduras selecionadas. Por enquanto, só foram engarrafados dois vinhos dela: o Virgo Manus Chardonnay 2024 e Virgo Manus Pinot Noir 2024. "Esta é a fase final da pesquisa", conta Celito. "Em breve, vamos entregar o estudo completo para a Manus, mas outros produtores da região também podem consultá-lo. Além disso, ele é um passo na direção de conseguirmos uma Indicação de Procedência (IP) Serra do Sudeste."

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.