Tinto ou Branco

Tudo que você sempre quis saber sobre vinho, mas tinha medo de perguntar

Tinto ou Branco - Tânia Nogueira
Tânia Nogueira
Descrição de chapéu Todas

Descubra onde ficam os vinhedos da vinícola de Pinheiros

Em São Paulo, estão as instalações industriais e o bar. Onde ficam os vinhedos?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Outro dia, fui conhecer os vinhedos da Vinícola Urbana, a casa que abriu em fevereiro em Pinheiros, um dos bairros mais badalados da cidade de São Paulo, e que tem feito muito sucesso desde então. Sim, vinícolas urbanas podem ter vinhedos. Não, neste caso, eles não ficam em Pinheiros (não cabe, né?). Ficam em Cunha, entre o Vale do Paraíba e a Serra do Mar.

Vinícolas urbanas são uma febre no mundo todo. Tem em Nova York, tem em Paris, tem em Lisboa. Em Londres, visitei duas delas e em breve vou escrever a respeito. No Brasil, tem várias em Porto Alegre, tem em Brasília, tem em Curitiba. Em São Paulo mesmo, há pelo menos mais uma. Muitas são apenas galpões industriais em bairros fabris, outras, são também um bar, como é o caso da Vinícola Urbana de Pinheiros.

salão com garrafas de vinho na janela
Com ambiente clean e despojado, a casa de Pinheiros foge da estética ligada à street art comum entre as vinícolas urbanas - divulgação

As uvas, porém, quase 100% das vezes vêm de áreas rurais. Digo quase 100%, porque há exceções, como o caso do Vinhedo Lacustre do Lago Norte em Brasília ou o vinhedo de Montmartre, em Paris. Se as uvas vêm do campo, por que construir uma vinícola na cidade?

"Por vários motivos", diz o economista e chef de cozinha Daniel Colli, fundador da Vinícola Urbana. "No meu caso, em primeiro lugar porque minha família está aqui. Mas não é só por isso. Dá mais liberdade para experimentar. Não faço vinhos apenas com uvas de Cunha. Trago uva do Sul, de Petrolina, de outros pontos do Sudeste. A brincadeira é mais fácil numa vinícola urbana. Além disso, tem um contato muito mais próximo com o público. Quantas pessoas fazem enoturismo? Talvez 10% ou 20% dos consumidores de vinhos. Aqui é muito mais fácil do público chegar."

Tudo começou na varanda do apartamento de Daniel em São Paulo. Depois de provar um vinho produzido em São Paulo, ele fez seus primeiros testes de vinificação baseado em leituras e pesquisas na Internet. Em 2015, decidiu procurar uma terra, razoavelmente próxima de São Paulo, que rendesse vinhos como ele gostava. Leves e elegantes. Fã da Borgonha, queria plantar pinot noir. Encontrou um terreno de 24 hectares, a 1030 metros de altitude, perfeito, que chamou de Pilar. Vendeu o apartamento e comprou o terreno.

Eu insisti muito em conhecer o Vinhedo do Pilar antes de fazer este texto. Não me arrependo nem um pouco. Só indo lá para entender por que ele é tão perfeito. O vinhedo fica no alto de uma montanha mais arredondada do que as outras montanhas ao seu redor. É quase um platô. Tem declives suaves. Isso impede que encharque quando chove, mas, ao mesmo tempo, também não propicia erosão e facilita o manejo em relação àqueles mais íngremes.

Está cercado por serras que conheço muito bem. À frente da parcela onde está plantada a uva portuguesa alvarinho, está a Serra do Mar e, bem naquele ponto, por trás dela, está Paraty. Se olharmos um pouco para a direita, vemos as montanhas da região de São Luís do Paraitinga. Poucas vezes tive uma compreensão tão imediata de um terroir.

Ave numa estaca com montanhas ao fundo
Vista da Serra do Mar a partir do Vinhedo Pilar, em Cunha (SP) - Tânia Nogueira/arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Fui num dia típico de inverno em Cunha. Fresco na sombra e quente no sol. Tanto que eu estava de camiseta. Lá no alto, Daniel me explicou que, nesta época em que as uvas estão maturando, do litoral à noite vem um vento frio. Sei bem de que frio ele estava falando. Mantive uma casa em Itamambuca durante anos e, no inverno, tinha de dormir com dois cobertores e um edredom. Lembro também do frio que fazia nas noites em Cunha no sítio de uns amigos que frequentei no milênio passado.

Contou que vem também uma neblina de manhã (quantas vezes não peguei ela na estrada?) que ajuda a manter esse frescor. No meio do dia, no entanto, lembro que dava para pegar piscina. É a tal da amplitude térmica que é tão importante para a maturação perfeita das uvas. Enquanto o sol do dia propicia a evolução dos açúcares, o frio da noite garante que a acidez e os aromas não se degradem, que não fique aquele vinho com gosto de cozido. Entre as tintas, a pinot noir em especial não pode perder a acidez que é sua principal característica.

Onde a pinot noir se dá bem, as brancas também se dão. Daniel plantou ali também sauvignon blanc e alvarinho, brancas que gostam especialmente do frio. Ventos quentes de regiões mais continentais não chegam por ali. À esquerda, está a Serra da Bocaína com uma altitude que varia entre os mil e os dois metros e, ao fundo, ainda mais alta, a Mantiqueira, cujo maior pico ultrapassa os 2.700 m de altitude.

árvore no meio do vinhedo
Vinhedo em Cunha: no inverno o tempo é seco e os dias têm sol e céu azul - Tânia Nogueira/arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

No inverno, não chove por lá. Sei disso desde sempre, desde a época das férias escolares. À diferença do verão, é época de seca no Sudeste. Foi isto, aliás, que fez o engenheiro agrônomo Murillo de Albuquerque Regina um dia pensar no sistema de dupla poda para inverter o ciclo das videiras, o que veio a permitir o desenvolvimento do cultivo de uvas viníferas em regiões antes consideradas impraticáveis, como São Paulo e Minas Gerais. A chuva na época da colheita traz doenças e baixa a concentração do sumo.

Quando chegamos, boa parte da pinot noir e da sauvignon blanc já tinha sido colhidas e descansavam na sombra fresquinha à espera de que Daniel as colocasse na traseira de sua picape e as transportasse até a vinícola em Pinheiros. Daniel me deu alguns cachos para provar. Estavam deliciosas. No fim, me deu um de cada para eu levar para casa. Amo comer uva vinífera embora elas tenham uma proporção maior de peles e sementes.

A alvarinho estava começando a ser colhida pela equipe de funcionárias de Daniel, que tem ali sete empregados. Vou embora e combino de um dia acompanhar o início da vinificação da alvarinho em São Paulo, o que aconteceu uns dez dias depois, numa terça-feira, quando a Vinícola Urbana está fechada ao público (só abre de quarta a sábado).

homem em vinhedo carrega caixa de uva
Uma cena nada urbana: Daniel Colli carrega uma caixa de uvas sauvignon blanc recém colhidas - Tânia Nogueira/arquivo pessoal/@tinto_ou_branco

Já visitei muita vinícola na vida, mas nunca tinha ficado umas três horas observando o trabalho. Foi super interessante. Daniel chegou com sua picape cheia pela metade, tinha uns 200 kg de uva, o que não é muito. Então, o trabalho naquele dia, segundo ele, foi tranquilo.

Trabalhando no galpão onde está o equipamento da vinícola em si, só havia Daniel e o engenheiro de bioprocessos Ângelo Chiezo, que é responsável pela enologia da Vinícola Urbana. O local é amplo e os equipamentos parecem modernos, apesar de não serem muitos. Há uma meia dúzia de tanques de inox, uma prensa pneumática e algumas barricas de carvalho, além de alguns acessórios. Daniel conta que tem um sócio investidor.

A dupla descarrega o carro, pesa as uvas e coloca-as na prensa com os cachos inteiros (essa é uma escolha, algumas vezes as uvas são desengaçadas antes). A prensa pneumática nada mais é do que um tambor de inox cheio de pequenos furos, com uma bandeja embaixo, dentro do qual há um balão de ar. Depois que as uvas são colocadas ali e o tambor é fechado, o balão se infla, pressiona as uvas e essas soltam seu suco, que na viticultura é chamado de mosto. Tudo de uma maneira muito delicada.

Os cerca de 200 kg couberam todos na prensa. O aparelho é regulado para fazer oito ciclos leves e três pesados no fim. O suco extraído nos primeiros oito ciclos é o mosto flor, aquele proveniente só da polpa mais solta. Os três últimos ciclos extraem um mosto de uma qualidade um pouco menor porque pode vir acompanhado de muitas partículas.

Daniel e Ângelo transferem o mosto-flor para um tanque de plástico que irá para a geladeira para decantar. E o resto do mosto num recipiente separado, pois esse terá de decantar por mais tempo e não é nem garantido que será incluído no lote a ser fermentado. É preciso ver a qualidade dele depois de decantado.

Eu não presenciei a fermentação que teve início dois dias depois com o uso de leveduras industriais. "Não tem como eu usar levedura nativa", diz Daniel e faz um gesto com o braço mostrando o ambiente… urbano. "Tenho uvas de vários lugares". Mas enquanto esperava a prensagem, fiz diversas provas: do mosto-flor da alvarinho, de um mosto de sauvignon blanc que estava na geladeira, de um sauvignon blanc em fermentação, de um pinot noir quase pronto, de um tannat de maceração carbônica.

Eu já tinha tomado os vinhos equivalentes de safras anteriores quando estive no bar semanas antes. São todos de muita qualidade, com aquelas características que Daniel sempre buscou: frescor e elegância. Há taças a partir de R$ 19,00. As garrafas custam entre R$ 95,00 e R$ 200,00 e estão à venda também na internet. Há uma série de comidinhas para acompanhar. Os clientes, se quiserem, podem pedir para conhecer a vinícola. Não vão ficar tanto tempo quanto eu fiquei lá dentro, mas, garanto, será bastante interessante!

Endereço: Rua Francisco Leitão, 625, Pinheiros, São Paulo, SP, tel.: (11) 9 7512 7757.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.