Vidas Atípicas

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O que é uma educação verdadeiramente inclusiva?

Parecer aprovado pelo Conselho Nacional de Educação gera polêmica por prever plano individualizado

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Johanna Nublat

Na quarta-feira (6), o ministro Camilo Santana (Educação) recebeu um grupo de parlamentares, especialistas e ativistas que defendeu que ele homologasse o parecer 50 aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em dezembro do ano passado.

O pedido virou a campanha #homologacamilo nas redes sociais.

Imagem mostra grupo de mais de 20 pessoas em volta de uma mesa
Ministro da Educação, Camilo Santana, recebe especialistas a favor de parecer sobre educação inclusiva - X - Camilo Santana

Chamado de "Nortear, orientações para o atendimento educacional ao estudante com transtorno do espectro autista – TEA", o parecer faz um breve histórico do autismo, fala da prevalência do transtorno, defende o uso de práticas baseadas em evidência científica também no ambiente escolar, e explica como construir o Plano Educacional Individualizado (PEI), entre outros pontos.

A defesa do PEI, que até então não constava de nenhum documento oficial em português, virou alvo de críticas de alguns especialistas e evidenciou visões distintas sobre o que seria uma educação verdadeiramente inclusiva.

Lucelmo Lacerda, doutor em educação, pesquisador do autismo, autista e pai de um adolescente autista, que integrou o grupo que elaborou o parecer, argumenta que o uso do PEI está contemplado no comentário geral número 4, de 2016, que faz esclarecimentos sobre a implementação da Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU).

"Ele é obrigatório pela convenção, mas não estava escrito em nenhum lugar a não ser nessa nota técnica, em inglês." Lacerda afirma que o parecer resolve, assim, duas rejeições ao uso do instrumento. "A primeira parte da recusa é dizer que não é obrigatório, a segunda é dizer que não sabe como fazer."

Segundo Lacerda, o PEI é "uma obviedade na literatura científica", algo cuja relevância não deixa dúvidas.

O pesquisador explica que qualquer estudante com necessidades individuais deve ter um PEI, independentemente de ter um diagnóstico ou não.

Ele exemplifica o potencial impacto do plano: "Eu sou autista. Meu filho também. Eu nunca tive nenhuma necessidade de adaptação acadêmica. Se eu tivesse tido acesso ao PEI, ele preveria apoio nas habilidades sociais para que eu não sofresse o bullying que sofri e que foi apavorante. Meu filho não fala, não entende a fala do outro e tem dificuldades para fazer coisas simples. Como posso pensar num tipo de apoio escolar que contemple essas duas faixas tão distantes se eu não estiver olhado para esses indivíduos, olhado seus pontos fortes e fracos e planejado aquilo de que precisam?".

"Meu filho está na sala de aula e não tem chance de aprender oração coordenada sindética e assindética. Isso não quer dizer que ele não aprende nada, ele aprende muito, e tem direito. Mas ele não vai aprender se estiver simplesmente exposto a alguém ensinando oração coordenada sindética e assindética. [É preciso ver] quais são as necessidades dele e planejar uma atividade para ele. Com isso, a escola vai ter conseguido explorar ao máximo o potencial dele."

Maria Teresa Mantoan, coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença, da Unicamp, é uma das vozes contrárias ao parecer. A professora assina uma carta enviada ao Ministério da Educação em que chama o documento de "inconstitucional".

"Não há condições de se estabelecer um modelo de aluno, como não há de se estabelecer, de fora, o que é possível alguém aprender. E o que não é possível aprender. Não há condições de se adaptar nada para ninguém", defende Mantoan. "Aprender não é uma capacidade que é controlável de fora. Ensinar é. Você pode controlar como ensinar, mas como o outro vai aprender não é da competência do professor, do pai, da mãe, do psicólogo, do coordenador, do gestor da escola. Porque aprender tem a ver com emancipação intelectual."

Durante a entrevista, Mantoan entrou em outro tema alvo de debate recente, o direito a um acompanhante na sala de aula com funções pedagógicas. "Se precisa de uma professora que fique do lado do aluno ou outro tipo de profissional, não é mais inclusão. Inclusão não é colocar o menino na sala de aula, mas mudar o modo de se trabalhar com a turma toda, de forma que cada um possa mostrar que capacidades têm de desenvolver aquele assunto."

Lacerda afirma que o parecer recebeu apoio de 2.600 entidades. "Existem 182 entidades de autismo que se manifestaram sobre o parecer. Duas foram contra e 180, a favor."

Procurado, o MEC afirmou que o parecer "encontra-se em tramitação para a análise de mérito e jurídica" e que só terá força normativa depois de homologado. O ministério disse ainda que o PEI não está previsto na legislação federal e que o que "está normatizado é o serviço de atendimento educacional especializado (AEE), que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminam as barreiras para a plena participação dos estudantes, considerando suas necessidades".

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