Vidas Atípicas

Em busca de respostas para dúvidas profundas e inesgotáveis sobre o autismo

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Quem tem medo do PEI?

Impasse sobre o Plano Educacional Individualizado emperra aprovação de parecer sobre autismo na escola

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Johanna Nublat

O Plano Educacional Individualizado (PEI) do meu filho, autista, foi construído a muitas mãos.

São sete páginas em que nós -- família --, a equipe multidisciplinar que o atende e a equipe escolar descrevemos seus interesses e necessidades, áreas em que ele se destaca, estratégias de inclusão com objetivos concretos, e recomendações específicas.

A fonoaudióloga, por exemplo, recomenda dar a ele instruções mais diretas, e garantir que ele tenha escutado bem os comandos e que tenha tempo suficiente para processar a informação e responder. A terapeuta ocupacional, por outro lado, sugere usar tato profundo quando ele estiver com a atenção dispersa, e uma banda elástica para ele apoiar e balançar o pé enquanto faz atividades escolares à mesa.

Nós da família reforçamos a importância de incentivar e mediar a relação com os pares, e trabalhar a autonomia.

Esse papel planeja e documenta o que todos nós pretendemos alcançar com meu filho neste ano letivo, no cotidiano de sua vida escolar numa sala de aula regular.

Pois esse documento, o PEI, está no centro de um impasse: uma segunda aprovação do parecer que trata de autismo e escola pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e sua possível homologação pelo ministro da Educação, Camilo Santana.

Em março, o blog mostrou como a aprovação do agora famoso "parecer 50" pelo CNE tinha provocado uma cisão entre os que defendem a educação inclusiva principalmente pela discordância a respeito do PEI, que até então não constava de nenhum documento oficial em português, mas, segundo explicam seus defensores, está contemplado em normativa internacional chancelada pelo Brasil e é realidade, há décadas, nos Estados Unidos.

Ilustração mostra 3 pares de pessoas, cada dupla está de frente uma pra outra segurando uma forma geométrica.
Ilustração de Catarina Pignato para Carreiras de 14.jul.2024. - Catarina Pignato

Desde março, o parecer "Nortear, orientações para o atendimento educacional ao estudante com transtorno do espectro autista – TEA" voltou ao CNE com o combinado de ampliar a escuta da sociedade -- o que foi feito --, foi reformulado e, na semana passada, voltou para apreciação do conselho. Três pedidos de vista interromperam a aprovação do novo parecer -- agora o tema poderá ganhar outros novos pareceres e deverá ser analisado por um colegiado sob nova configuração.

Suely Menezes, professora e relatora do parecer, conta que, nesta segunda rodada de escutas, mais de 60 manifestações formais foram recebidas, e apenas seis delas foram contrárias ao parecer. Em reunião com a secretária Zara Figueiredo, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão do MEC, continua ela, o grupo ouviu que o ponto dissonante era o PEI (o blog tentou ouvir a secretária sobre o PEI, mas o MEC disse apenas que o parecer vai ser analisado por um grupo de trabalho e que "as normativas legais atuais regulamentam a elaboração de plano individualizado por meio do atendimento educacional especializado").

"O PEI não é uma realidade que inventamos, ele já é uma realidade no país", explica Menezes. "Cada Estado age de seu jeito, cada cidade, cada escola. Precisamos ter algumas orientações que possam dar mais tranquilidade para o sistema educacional atender a nossos autistas."

PEI x PAEE

O plano mencionado pelo MEC, o Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), e o PEI se comunicam, mas são diferentes e cumprem funções distintas. O próprio parecer 50 traz um quadro em que diferencia um do outro.

"O PAEE é elaborado pelo professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE), que atua na sala de recursos multifuncionais. Esse planejamento tem, de acordo com a legislação, o objetivo de complementar ou suplementar o processo de escolarização", explica Adriana Borges, professora de Políticas Públicas de Educação Especial e Inclusão Escolar da Faculdade de Educação da UFMG. Segundo documentos do MEC, o atendimento de AEE é realizado prioritariamente no contraturno. "Já o PEI foca a sala de aula, o dia a dia. Ele deve ser construído coletivamente, com a participação da família e dos profissionais da saúde que atuam com a criança, além do professor responsável pelo AEE. O PEI é um planejamento que visa a acessibilidade curricular e deve partir da pergunta: 'O que eu, enquanto professor ou professora posso fazer para tornar o currículo acessível para esse aluno?'", completa Borges.

O PEI, assim, é um roteiro ligado ao conteúdo e ao currículo. "Se é um professor de português e a aula é de português, o que eu vou fazer, enquanto professora de português, para criar acessibilidade para esse aluno? Isso não é o professor do AEE quem vai fazer, porque ele não é especialista em matemática, física. Não é o professor de apoio quem tem que fazer, é o professor regente", explica Borges, uma das organizadoras do livro "PEI - Plano Educacional Individualizado para alunos com deficiência", que será lançado na próxima semana.

A professora completa: "Se o termo currículo remete à uma corrida, é preciso sempre lembrar que quando nos referimos aos alunos com deficiência, estes têm uma desvantagem em relação aos outros, no que se refere ao currículo planejado para o 'aluno padrão', que precisa ser compensada. É necessário propor rotas alternativas, retirar os obstáculos, criar atalhos. Dessa forma, o PEI auxilia o professor na tomada de decisões que deve sempre evitar o capacitismo, mas ao mesmo tempo evitar a frustração, pois ambos criam barreiras para o aprendizado".

Uma das entidades contrárias ao parecer é a Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas). "[O PAEE] é construído a partir da análise das barreiras que estão colocadas para o estudante, buscando estratégias para auxiliar no processo de aprendizado do estudante. O PAEE é baseado no modelo social da deficiência. Já o PEI é baseado no modelo médico. Por isso o defendemos o PAEE como instrumento para a educação inclusiva", diz a assistente social Camila Jasmin Martins, integrante da Abraça, autista e mestranda em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ.

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