Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Voltaire de Souza
Descrição de chapéu Rússia inverno

Vida de cão

Quando baixa a temperatura, até os mais pobres sonham com cidades europeias

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Casacos. Ciclones. Madrugadas.

As paulistanas já sabem.

É tempo de enfiar a calça no cano da botinha.

A socialite Bibi Abdala checava a sua agenda.

–Nossa. Marquei para hoje a tosa da Tiffany.

A simpática cadelinha poodle mal conseguia enxergar.

–É muito pelinho na testa, né, Tiffany?

–Wák. Wák.

Com o frio intenso, a solução era uma só.

–Comprar uma roupinha nova para ela.

A butique Petricinha’s oferecia modelos combinados.

Cachorrinha e madame na mesma estampa.

–Essa aqui de oncinha quanto é?

–Onze mil dólares, Bibi. A da cachorrinha.

–Quer dizer que a minha é separado?

–As duas juntas eu faço por cinquenta.

–Tão quentinha…

–Também tem a de tigre… e a de pelo de angorá.

Bibi não conseguiu resistir ao guarda-roupa completo.

Saindo do shopping, a sensação térmica era de zero grau.

O morador de rua Férgusson achou apropriado fazer um elogio.

–Tão linda nesse frio… parece ucraniana.

–Mas não sou pobre nem fácil, querido.

–Ah, desculpe, estava falando da cachorra.

–É de raça poodle escocesa.

–Wák. Humf.

Uma sinfonia de odores díspares atraía a atenção do pequeno animal.

O calor canino ofereceu algum alívio para as mãos do mendigo.

–Da próxima vez, posso pedir um favor?

Bibi suspirou com paciência.

–Fala.

–O pelo dela… o pelinho… que sobrar da tosa.

–O que é que tem?

–Pode me dar? Para eu por dentro do sapato.

Bibi se lembrou do colégio de freiras. E dos princípios cristãos.

–Ahn, quer saber? Dou sim. Mas só se você me prometer uma coisa.

–O quê?

Bibi entregou para ela o cartãozinho da butique pet.

–Vai lá. Pede um banho e faz uma tosa em você também.

–Será que eu posso?

–Diz que a Bibi Abdalla te mandou.

Férgusson sorriu com gratidão.

–Quem sabe me ensinam a trabalhar lá.

–Pode ser. Mas tem pet que só entende francês.

Naquela noite, debaixo do viaduto, Férgusson sonhou que estava em Paris.

–Ou na Ucrânia, não sei bem.

Os sonhos não tem pátria.

Mas é como dizem.

Não basta dar o peixe. É preciso ensinar a pescar.

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