Potes. Vidros, Cerâmicas.
O passado histórico ressurge na cidade.
Aconteceu nas obras do metrô.
No tradicional bairro do Bexiga, cresce o interesse das escavações .
É que havia um antigo quilombo na região.
O sr. Pelicanni tinha outras prioridades.
–A casa da minha avó era lá perto.
Aos 88 anos, sua memória era perfeita.
–A gente brincava no quintal…
Ele faz cara séria.
–E nunca falaram de quilombo.
Cuidadosas escavações arqueológicas são levadas a cabo por empresas especializadas.
–Se acharem alguma coisa, o herdeiro sou eu.
Interessantes resquícios de atividade doméstica são coletados.
–Isso tudo é lixo, pô.
O aposentado marcava ponto na futura estação urbana.
–Opa. Opa.
Um nítido brilho dourado se distinguia entre as massas de terra argilosa.
–Minha avó perdeu a aliança dela em 1926.
–Calma aí, vovô.
–Estão querendo roubar o que é meu.
–Mas vai ver que era tesouro dos antigos escravos.
–Ha. Até parece.
Ele começou a gritar.
–E quem era dono desses escravos? Hein?
–Era quilombo, vovô. Os escravos já tinham fugido.
–Pois então. Se fugiram, tenho direito a ter eles de volta.
–Mas a sua avó não era italiana?
–Casou com fazendeiro, meu filho. Da família Barros do Rego Pequeno.
–Bom. O senhor é que sabe.
Pelicanni descia ao buraco da estação.
Ouviu-se um grito feminino.
Era a Teresinha. Estagiária numa firma de contabilidade na Nove de Julho.
–Não pisa aí que a tábua está solta.
Ela já havia tentado pescar alguma coisa no sítio arqueológico.
–Vi o anel primeiro.
Pelicanni se virou tarde demais.
Os espíritos de Henricão, Rômulo, Pé Rachado e outros falecidos sambistas da Vai-Vai já estavam sorrindo para ele.
O barulho das ambulâncias sepultou as alegações de Teresinha.
Pelicanni foi retirado sem vida de uma greta oculta no local das obras.
O passado paulistano está recoberto de mistérios e conflitos.
Mas as múmias e os dinossauros continuam na superfície.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.