Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Voltaire de Souza

Explode, coração

Relíquias de nossa história nem sempre ajudam quem precisa de ajuda milagrosa

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Homenagem. Tributo. Saudade.

Uma relíquia importante chega ao Brasil.

O coração de D. Pedro 1º.

Uma coisa devemos agradecer aos portugueses.

A peça está em excelente estado de conservação.

Dona Idélia estava em dúvida.

—Será que eu posso esperar algum milagre?

Com o tempo, agravavam-se os problemas de locomoção da aposentada.

—Já tentei médico, acupuntura, chá de quebra-mola...

Padre Pellozzi recomendava paciência.

—E molta oraçó, Idélia.

—Não tem milagre não?

O sacerdote deu para ela um santinho.

—São Cristóva. Protettore dos motorista.

—Mas o que é que isso tem a ver com o meu joelho?

—Uzza il táxi, mínia figlia. O il uber.

—Mas e o Coração de Jesus, padre?

—Corazzone di Gesu, corazzone di don Pietro… tutta mesma cosa.

Dona Idélia ficou embatucada.

—Parece que nem o padre acredita mais em nada...

Ela tomou o caminho de um templo evangélico.

—Por quinhentos reais, a senhora sai pulando que nem cabrita.

--Eu vou poder desfilar no Carnaval?

A anciã era madrinha da bateria na Escola de Samba Unidos da Travessa.

—Aí já é coisa do capeta, dona Idélia.

Só restava para ela dobrar a dose do analgésico.

—Isso mais um chazinho... quem sabe eu durmo melhor.

No sonho, o presidente Bolsonaro apareceu montado num cavalo branco.

—Vem, Idélia. Sobe na garupa.

Uma grande massa popular aclamava a iniciativa.

—Vamos fazer juntos a nova independência do Brasil.

Ao longe, ouvia-se um velho sucesso da dupla Dom e Ravel.

—Meu coração é verde, amarelo, azul anil...

A relíquia de dom Pedro estava nas mãos de Bolsonaro.

—Quer ver? Isso aqui é uma granada. Para explodir com tudo.

Um senhor calvo apareceu agitando a toga preta.

—Alto lá. Sou do STF.

O cavalo escoiceava. O coração soltava fagulhas pelo estopim.

—Explode, coração.

Uma luz amarela inundou os olhos de dona Idélia.

Era a sala de espera do pronto-socorro.

O médico se chamava doutor Marco Aurélio.

—Avisei para não insistir naquele analgésico. Risco cardíaco de importante proporção.

O país está doente. À espera de um milagre.

Mas quando a cavalaria desembesta, erra muito quem sobe na garupa.

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