Seis. Cinco. Quatro.
É a contagem regressiva.
Aproxima-se o dia das eleições.
Crescia o nervosismo do sr. Athiê.
—Esse ladrão não pode ganhar no primeiro turno.
Eram intensas as convicções bolsonaristas daquele sexagenário.
—Ou tem virada, ou vamos para o golpe.
A família não era tão radical.
—Tomara que o Lula ganhe logo... assim o Athiê sossega.
—O que foi? O que foi? O que você disse?
A esposa do comerciante se encolheu um pouco.
—Calma, Athiê... eu estava só comentando...
—Rrrnf... Rrrnf.
A filha dele se chamava Cylene.
—Só uns dias... contagem regressiva.
Os olhos de Athiê adquiriram brilhos de fuzil.
—Contagem regressiva, é? Como assim?
Cylene foi explicar.
—Começa do dez. Devagarinho.
—Mmmpfh.
—Nove...
—Rrrrorrkh...
A expressão do sr. Athiê ia se tornando selvagem. Bruta. Animal.
—Oito... Papai, você está bem?
O comerciante começou a bater os pés com força no assoalho de sinteco.
—Thud, thud.
—Sete...
A mulher de Athiê se aproximou.
—O que é que ele está fazendo com a camisa?
O sr. Athiê já tinha rasgado a peça de indumentária.
—Seis...
—Ficou só de cueca...?
—Cinco...
—Foi até a cozinha...
—Nhork, nhork.
—Comendo carne crua?
—Quatro...
—Olha o martelo de carne... Deus do céu.
—Três...
O micro-ondas foi destruído a marretadas.
—Dois...
—Hunfa, hunfa... Glug, glug.
—Nossa... ele parece que está na idade da pedra...
—Um...
—Pior. Olha ele socando o peito.
De fato.
O tórax extremamente peludo do sr. Athiê recebia autogolpes dignos de um gorila.
—Conto até zero, mamãe?
—Não. Melhor usar outro número.
Foi feito contato telefônico com o hospital psiquiátrico.
—Se bem que, no caso dele...
—Acho que só o zoológico resolve.
Contagem regressiva é isso aí.
Por vezes, serve para foguetes desvendarem o céu.
Em outros momentos, contudo, a carroça vai para trás.
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