Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Perdoa-me por te brochares

Ao dizer que é imbrochável, Bolsonaro pode minar as bases da famíla cristã

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Chás. Pílulas. Injeções.

Hoje em dia, a disfunção erétil assusta pouca gente.

O presidente Bolsonaro insiste.

—Imbrochável. Imbrochável.

E não parou só na segunda vez.

—Imbrochável. Imbrochável.

O sr. Agostinho assistia pela televisão.

E ia contando.

—Três, quatro...

—Imbrochável.

—Vai. Mais uminha.

—Imbrochável.

—Incrível. Prodigioso.

A mulher de Agostinho se chamava Dalva.

—Está gostando, querido?

—É de um presidente assim que o Brasil precisa.

A dona de casa não tinha tanta confiança nos políticos nacionais.

—São bons de papo... mas na hora não fazem nada.

—O Brasil ainda está acordando, Dalva.

—Ah. Então é que nem você, Agostinho.

—Como assim?

—Só não está brochado quando acorda de manhã.

As palavras da esposa feriram Agostinho.

—Não te reconheço mais, Dalva.

Ele lembrava o noivado.

—Você era tão tímida quando a gente se conheceu lá na igreja...

Dalva esfregava com força a frigideira de ferro inox.

—Tudo engordurado... caceta.

—Não usava esse tipo de palavreado.

—Que palavreado, Agostinho? Que é que você está reclamando de novo? Caraca.

—Brochado. Caceta. Caraca. Esse tipo de coisa.

—Aprendi com o teu presidente, Agostinho.

--Mas homem é diferente, Dalva. Mulher não joga essas coisas na cara da gente.

—Ah, então tá bom. Falando em limpeza...

Dalva arremessou a frigideira na direção do marido.

—Limpa você essa joça.

Agostinho sentiu uma dúvida se avolumar em seu coração.

—Será que ela virou feminista?

Ele tentava entender o comportamento da esposa.

—Afinal, mulher que é mulher não reclama quando o marido brocha.

Veio o fantasma de um sorriso.

—O homem pode ter suas razões... outras mulheres no pedaço...

Raiva. Revolta. Indignação.

—Não tenho de dar satisfação se a minha mulher virou uma baranga.

Agostinho foi criando coragem.

—Baranga, está ouvindo, Dalva?

O silêncio se tornou pesado naquele apartamento em Ermelino Matarazzo.

—Dalva. Dalvaaaa. Dalva?

Súbitas lágrimas irromperam nos olhos do ex-machão.

—Me perdoa, amor.

Dalva saiu do banheiro com os olhos vermelhos.

—A culpa é minha, Agostinho.

—E desse Bolsonaro. Pondo ideias feministas na sua cabeça.

--Verdade.

Dalva respirou fundo.

—Agostinho.

—O que foi?

—Perdoa-me por te brochares.

O casal tenta tratamento à base de ervas indígenas.

A vida conjugal é como a política.

Uma hora, as pessoas se arrependem do que disseram.

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