Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Descrição de chapéu forças armadas CPI da Covid

Zero casamento e muitos funerais

Logística e planejamento de enterro britânico confunde autoridades brasileiras

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Luto. Tristeza. Emoção.

O mundo se despede da rainha Elizabeth.

Também o Brasil faz a sua parte.

O presidente Bolsonaro já está treinando a cara séria.

Visita oficial à Inglaterra.

Em momentos como esses, é bom contar com a colaboração de nossas Forças Armadas.

O general Perácio fazia parte da comitiva.

—Esses ingleses devem ser bons de fazer enterro...

O assessor Guarany ficou interessado.

—Por quê, general?

—Povo organizado. Disciplinado. Não é a bagunça que a gente conhece.

—Estamos chegando, general... olha lá a torre da igreja.

O Big Ben reluzia na bela manhã de outono.

—E já está cheio de carro preto.

—General... acho que isso são os táxis aqui da cidade.

—Não diga besteira, Guarany.

O congestionamento era grande na metrópole londrina.

Perácio ficou pensando.

—Um carro atrás do outro...

O aspecto logístico da coisa interessava o oficial.

—Vai. Anota aí quantos estão passando.

—Conto todos ou só os pretos?

—Só os pretos.

—Olha, general. Aquele ali tem um caixão dentro.

--E ali tem outro caixão... interessante.

—Mais um.

--Com aquele ali são onze.

—Caixão pra caramba, general.

—Muito inteligentes esses ingleses. Assim ninguém vai saber qual é o da rainha.

—Quer que eu vá lá perguntar, general?

Perácio levantou-se.

—Vou eu mesmo. Que isso não é missão para um tenente auxiliar.

A mão de granito de Perácio bateu no vidro do primeiro carro preto.

—De quem é esse caixão, aí, ô amigo? É o da rainha?

O motorista usava paletó preto. Olhos fundos. Cadavéricos.

E respondeu em português mesmo.

—Este cortejo não é dela não, general.

—E de quem é então, ô engraçadinho?

Buzinas pareciam gemer longamente.

A fila de carros se estendia a perder de vista.

—Aqui tem mais de seiscentos mil caixões, general.

—Que é isso? É gozação?

—É o pessoal que morreu de Covid, general...

O taxista mostrou todos os seus dentes num riso macabro.

—Estou liderando aqui o cortejo de Manaus.

Perácio tirou os óculos escuros.

A paisagem à sua frente não era mais a de uma abadia medieval.

—Mas essa... é a catedral de Brasília.

Um delicado toque do assessor Guarany despertou Perácio de seu sonho.

—General, estamos perto da aterrissagem. Melhor o senhor apertar o cinto de segurança.

O violento tapa de Perácio danificou seriamente a mesinha da aeronave.

—Não desço. Não vim até a Inglaterra para aguentar humilhação.

—Mas quem fica então no seu lugar, general?

—Põe o Pazuello. Acho que fala um pouco de inglês.

Informação e planejamento são essenciais em toda estratégia militar.

Mas quando os mortos são muitos, o melhor é bater em retirada.

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