Voltaire de Souza

Crônicas da vida louca

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Eu bem que avisei

Nos jogos da Seleção, o talento nem sempre ajuda a compensar a falta de sorte

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Gols. Pênaltis. Prorrogações.

O futebol, muitas vezes, é frustrante.

O dr. Cerquilho sorria com indiferença.

—Bela novidade.

Há muitos anos ele tinha tomado uma decisão.

—Não vejo mais jogo do Brasil.

Ele se lembrava.

—Foi em 1982, eu acho...

O brilhante selecionado brasileiro se deu mal naquela Copa.

—E eu me convenci que sou pé-frio.

Ele explica.

—Bastava eu entrar no banheiro, o Brasil fazia um gol.

A tarde ia começando naquele amplo apartamento de Moema.

—Volto para a sala, desanda tudo.

A família insistia.

—Vem ver o jogo, Cerquilho. Quanta superstição.

A família era evangélica.

—Esse tipo de crença não é coisa cristã.

—Ah, é? Ah, é?

Cerquilho evocou fatos recentes.

—Eu estava no escritório quando começou a apuração da eleição.

—E daí?

—O Bolsonaro estava ganhando.

A tristeza tomou conta das feições do empresário.

—Entro em casa, a TV está ligada...

—Claro, né.

—E o Bolsonaro começa a perder.

O jogo com a Croácia ia começar.

—Vou ficar dentro do quarto. E que ninguém me aborreça.

O gol de Neymar, contudo, foi irresistível.

—Vem ver, papai.

Cerquilho consultou o seu cronômetro.

—Bom... falta tão pouquinho para acabar o jogo... espera aí.

A camisa da Seleção estava passadinha na gaveta.

Lembrando outros momentos de patriotismo e mobilização.

—Opa. Opa. Quanto falta para acabar?

Veio a tragédia. O naufrágio. O imprevisto.

O Brasil é desclassificado pelo time xadrez.

Havia um secreto brilho de triunfo nos olhos de Cerquilho.

—Eu não disse? Eu não disse? Da próxima vez, me deixem em paz.

Ele se retirou para a sua sala de estudos.

—Vamos ver as outras notícias. A economia é o que importa.

Um novo choque aguardava o bolsonarista.

—Haddad no Ministério da Fazenda? Aquele comuna?

Alguns laços com a teoria marxista, ao que se diz, persistem na brilhante mente do ex-prefeito.

—É muito azar, caramba. Tudo contra mim.

Ele promete.

—Vou para Portugal. E só volto depois da próxima Copa.

Desligar a TV pode ser recomendável de vez em quando.

Mais difícil, dizem, é apagar o resto.

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