Descrição de chapéu Eleições 2018

Candidatos divergem sobre como aumentar recursos para a ciência

Propostas incluem interação com setor privado e investimento de 2% do PIB em pesquisa até 2030

São Paulo

Se o leitor que se interessa por ciência parar para ler os programas dos candidatos a presidente, vai se deparar com o diagnóstico praticamente unânime de que a coisa não anda bem —especialmente do ponto de vista financeiro. A maneira de resolver, porém, varia. 

Enquanto uns apostam mais na interação como setor privado (como Jair Bolsonaro e Marina Silva), outros querem soltar as amarras fiscais do governo para aumentar o fluxo de dinheiro público para a área (caso de Fernando Haddad). Também há quem queira um pouco dos dois (como Ciro Gomes).

A reportagem analisou os programas de governo enviados ao TSE pelas campanhas dos cinco presidenciáveis mais bem colocados na última pesquisa Datafolha —Jair Bolsonaro (PSL), Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) .

Para auxiliar o leitor na comparação entre as propostas, a reportagem contatou as campanhas e enviou questionamentos. Ciro e Bolsonaro não responderam. 

Líder nas pesquisas, Bolsonaro dedica dois slides de seu programa à ciência. Ele diz em seu programa que o modelo atual de pesquisa e desenvolvimento no Brasil está “totalmente esgotado”, e que a área não pode só depender de recursos públicos. Ele aposta no empreendedorismo como solução.

“Os melhores pesquisadores seguem suas pesquisas em mestrados e doutorados, sempre próximos das empresas. O campo da ciência e do conhecimento nunca deve ser estéril”, afirma o texto.

Temas recorrentes nas falas do candidato, grafeno (uma das formas nas quais os átomos de carbono podem se organizar, com propriedades estruturais e de condução eletrônica favoráveis) e nióbio (metal que pode dar mais resistência a ligas como o aço) também estão lá.

O Brasil é o maior produtor mundial de nióbio e, por isso, o metal tem sido apontado como uma possível fonte de dividendos para o governo. No entanto, sua função pode ser desempenhada por outros materiais, como vanádio e titânio. Dessa forma, não adiantaria impor ao restante do mundo um preço muito mais alto do minério, que atualmente sai por cerca de R$ 170 o quilo — para fins de comparação, a tonelada de ferro sai por R$ 210.  Na última década o país tem exportado entre 60 mil e 90 mil toneladas ao ano.

Já os estudos envolvendo grafeno também acontecem em regiões como EUA e Europa. O Brasil é um dos que mais rápido entrou na corrida, com trabalhos desenvolvidos por grupos como um ligado à Universidade Presbiteriana Mackenzie. O material, apesar das potencialidades, ainda não chegou aos produtos eletrônicos que usamos no dia a dia, mas é praticamente um consenso na área que isso vai acontecer em alguns anos.

Em uma página para a ciência, Haddad apresenta uma das demandas mais repetidas pelos cientistas do país: o investimento de um total de 2% do PIB (somando recursos públicos e privados; algo hoje equivalente a cerca de R$ 132 bilhões) em pesquisa e desenvolvimento até 2030 . Esse ponto também é lembrado pelo programa de Marina Silva —sem maiores detalhamentos, porém—, assim como a recriação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). 

Com um capítulo de três páginas para o tema de C,T&I (ciência, tecnologia e inovação) em seu plano de governo, Ciro Gomes afirma que é preciso criar um plano nacional de ciência e tecnologia. Uma de suas ideias é colocar doutores nas indústrias, com bolsas pagas pelo governo, a fim de estreitar a relação desse setor com a academia.

Um caminho para melhorar o financiamento —questão que hoje mais aflige cientistas— seria a liberação progressiva de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e de outros fundos setoriais. Hoje boa parte dos recursos está congelado para contenção de gastos. A mesma solução é apontada por Haddad.

O programa de Alckmin é dos mais enxutos. Contando capa e contracapa, são 16 páginas, apenas metade com texto propriamente dito. O candidato dedicou apenas um parágrafo à área de ciência e tecnologia, dizendo que é preciso estimular parcerias entre universidades, empresas e empreendedores, transformando “a pesquisa, a ciência, a tecnologia e o conhecimento aplicado em vetores do aumento de produtividade e da competitividade no Brasil”.

Já a proposta de Marina Silva, que dedica menos de uma página de seu programa à área, diz que a solução passa por uma ação mais intensa do governo, seja criando mecanismos para contratar pesquisadores estrangeiros ou eliminando dificuldades para a importação de equipamentos, materiais, insumos e serviços utilizados em pesquisa e desenvolvimento.

“Nosso governo parte da concepção geral de que os recursos para a CT&I são investimentos, não gastos, e precisam ter tratamento diferenciado, com imunidade a contingenciamento como manda a lei”, diz o documento.

A campanha de Marina, em resposta à reportagem, afirma que é preciso que o emprego dos recursos passem por uma análise isenta de custo-benefício. “No momento, deve-se resguardar os grupos de pesquisa de excelência (isto é, evitar sua desestruturação) e utilizar os recursos escassos da forma mais eficaz.”

A ideia da criação do FNDCT era apoiar financeiramente programas prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico. As receitas vêm de incentivos fiscais, empréstimos, contribuições e doações de entidades públicas e privadas. 

Nos moldes atuais, o montante contingenciado pelo governo, no entanto, retorna ao Tesouro Nacional para geração de superávit ou pagamento da dívida pública e deixa de ser empregado em C,T&I. Em 2016, por exemplo, o FNDCT conseguiu empenhar apenas R$ 1 bilhão do total de R$ 2,7 bilhões de sua dotação orçamentária. 

Marina e Bolsonaro têm ainda propostas semelhantes de apostar na especialização das instituições. O capitão reformado cita o Nordeste como polo para o estudo e desenvolvimento de temas relacionados à fontes de energia renováveis, como solar e eólica.

Desde a fusão do MCTI com o Ministério de Comunicações, em 2016, boa parte da comunidade acadêmica tem pedido pela separação. A proposta ganhou força não só pela simbologia, mas também graças ao corte de verbas federais para o financiamento de projetos, que desde 2013 caiu quase pela metade.

Esse e outros temas vêm sendo discutidos há meses por sociedades como a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a SBPC. Esta última iniciou na semana passada uma série de sabatinas com os candidatos a presidente, começando com Ciro Gomes, que também já visitou a ABC. 

Segundo o presidente da entidade, o físico Ildeu de Castro Moreira, da UFRJ, já houve contato também com as campanhas de Geraldo Alckmin, Marina Silva e Fernando Haddad, que manifestaram interesse. Ainda não há data para os encontros, dos quais também participam representantes de sociedades científicas afiliadas e universidades. Segundo Moreira, não houve resposta da equipe da candidatura de Bolsonaro.

A SBPC pede que os candidatos assinem uma carta de compromisso de temas que vão da recuperação dos investimentos a educação à derrubada da EC 95.Outra iniciativa da SBPC e que tem a ver com as eleições é a publicação em seu site  de uma lista com os nomes e números dos candidatos para os legislativos estaduais, distrital e federal que se comprometam com as bandeiras levantadas pela entidade, independentemente do partido do qual fazem parte.
 

 

Compare as propostas dos candidatos para a ciência

Qual é a opinião sobre a Emenda Constitucional 95 (lei do teto de gastos)?

Jair Bolsonaro* (PSL): O candidato votou a favor da EC 95 em 2016

Fernando Haddad (PT): Contrária, já que impõe uma ortodoxia fiscal permanente com um teto declinante nos gastos públicos por 20 anos, comprometendo os investimentos em C,T&I, além daqueles em saúde e educação

Ciro Gomes* (PDT): Segundo seu programa, a EC 95 deve ser revogada e substituída por outro mecanismo que controle a evolução das despesas globais do governo, preservando os gastos com investimentos, incluindo ciência

Geraldo Alckmin (PSDB): É estratégica para conter o crescimento da dívida pública. O gasto com C,T&I pode ser aumentado quando corrigirmos as ineficiências causadas pela política de expansão de gastos públicos

Marina Silva (Rede): Contrária, pois acredita que o ajuste fiscal deva ser feito pela Lei de Diretrizes Orçamentárias. As dificuldades do país, entretanto, impõem a necessidade de absoluta racionalidade nos gastos públicos


Como obter novos recursos para a pesquisa científica e tecnológica?

Jair Bolsonaro* (PSL): Em seu programa, o candidato diz que é preciso buscar parcerias com empresas privadas para transformar ideias em produtos, “Isso gera riqueza, desenvolvimento e bem-estar para todos”

Fernando Haddad (PT): Os orçamentos das agências de fomento federais, como CNPq e Capes, serão recuperados e ampliados a partir dos patamares mais elevados do governo Lula

Ciro Gomes* (PDT): No programa é dito que deve haver estabilidade de investimentos públicos diretos e de fundos setoriais para inovação; haveria ainda aporte da Finep e BNDES para empresas de tecnologia

Geraldo Alckmin (PSDB): A retomada do crescimento e o equacionamento das condições de financiamento da dívida pública irão permitir a melhoria dos recursos.  Buscamos garantir uma posição de destaque no contexto mundial

Marina Silva (Rede): O governo deve garantir uma economia aberta e competitiva, que estimule empresas a adotar novas tecnologias e inovar, atraindo cientistas e técnicos  para o Brasil e reduzindo o custos de importação


Investimento em pesquisa deve ser maior ou igual a 2% do PIB?

Jair Bolsonaro* (PSL): O candidato não respondeu à pergunta

Fernando Haddad (PT): A meta é implementar um plano decenal de aumento dos investimentos até chegar ao patamar de 2% do PIB, com recursos governamentais e empresariais, em 2030

Ciro Gomes* (PDT): Sim, segundo declarou em sabatinas com cientistas

Geraldo Alckmin (PSDB): Sim. Somente com foco em inovação as empresas promovem crescimento contínuo de produtividade. O governo deve estabelecer as bases para que a inovação atue como fonte primária de produtividade

Marina Silva (Rede): Sim


O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações deve existir separadamente do de Comunicações?

Jair Bolsonaro* (PSL): Sem ser específico, em seu programa, a candidatura de Bolsonaro defende redução no número de ministérios

Fernando Haddad (PT): Sim, para garantir a prioridade estratégica no novo projeto nacional de desenvolvimento e articular iniciativas estruturantes junto ao Governo Federal

Ciro Gomes* (PDT): Sim, e o ministro, segundo o candidato, seria um cientista que também fosse bom gestor

Geraldo Alckmin (PSDB): As questões de C,T&I e de Comunicações não têm sobreposição suficiente para serem fundidas numa só pasta. Com isso, precisam dividir os recursos. O novo governo terá de avaliar como lidar com isso.

Marina Silva (Rede): Sim, pois há especificidades dos investimentos e desenvolvimento de políticas públicas são diferentes. Incentivar a produção científica requer planejamento específico para a área.


Como melhorar o conhecimento sobre ciência no Brasil?

Jair Bolsonaro* (PSL): O candidato não respondeu à pergunta

Fernando Haddad (PT): Um programa proposto é o Escola com Ciência e Cultura, que visa transformar as unidades educacionais em espaços de paz, reflexão, investigação científica e criação cultural

Ciro Gomes* (PDT): O candidato não respondeu à pergunta

Geraldo Alckmin (PSDB): A situação é ruim, o que dificulta a atração dos estudantes para áreas científicas. Deve haver mudança dos currículos do ensino fundamental e a implementação da Base Nacional Comum Curricular

Marina Silva (Rede): É preciso aumentar volume e relevância da produção científica no país, melhorando também a qualidade e consolidando um ambiente de negócios propício à inovação e à adoção de tecnologias

* Candidatos não responderam aos questionamentos da reportagem; algumas respostas são baseadas em declarações dos candidatos e em outros registros

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