Há cem anos, eclipse em Sobral trouxe o 1º 'Einstein estava certo'

Observação do fenômeno permitiu comprovar a teoria da relatividade geral

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Uma das chapas fotográficas do eclipse solar em 1919, obtidas em Sobral, no Ceará

Uma das chapas fotográficas do eclipse solar em 1919, obtidas em Sobral, no Ceará Observatório Nacional

São Paulo

​Na próxima quarta-feira, 29 de maio, um dos experimentos mais importantes da história da ciência, em que o Brasil foi protagonista, completa cem anos. Foi a primeira edição do famoso bordão “Einstein estava certo”.

Graças a um eclipse total do Sol, observado simultaneamente por expedições britânicas enviadas a Sobral, no Ceará, e à ilha do Príncipe, na África, pela primeira vez era evidente que a gravidade tinha o poder de curvar a trajetória dos raios de luz. E, mais importante que isso, na medida prevista pela teoria da relatividade geral.

A conclusão do time liderado por Arthur Eddington e Frank Dyson, apresentada em 6 de novembro de 1919 diante da Royal Society, em Londres, era taxativa: “Os resultados das expedições a Sobral e a Príncipe podem deixar poucas dúvidas de que a deflexão da luz acontece nas redondezas do Sol e que é pela quantidade demandada pela teoria da relatividade generalizada de Einstein, atribuída ao campo gravitacional do Sol.”

Ninguém sabia o que a observação ia revelar. Muitos físicos ainda viam com desconfiança as conclusões a que chegou Einstein entre 1905 e 1915.

Pudera: não é fácil dizer que espaço e tempo são flexíveis, que matéria e energia podem contorcê-los, e que eles compõem um todo integrado, o contínuo espaço-tempo. 

Tudo começa quando se descobre que a luz tem sempre a mesma velocidade no vácuo. Pouco importa se você está se aproximando de um raio luminoso ou está correndo dele —ele sempre vai chegar (no vácuo) a 300 mil km/s. 

O único jeito, disse Einstein, é se a sua velocidade influenciar a forma como você percebe o mundo, encurtando o espaço e alongando o tempo com relação a observadores.

Em 1905, a teoria da relatividade especial trouxe essa conclusão, mas Einstein não havia terminado. Ele sabia que a teoria estava incompleta, pois levava em conta apenas o que acontecia a velocidades constantes, mas não em aceleração e desaceleração.

E a cereja no bolo foi perceber que acelerar é o mesmo que estar sob influência de um campo gravitacional. Se variações de velocidade alteram a geometria do espaço-tempo, objetos que gerem gravidade também devem fazê-lo.

Uma das frases feitas sobre a relatividade geral é que ela descreve como se comporta o tecido do espaço-tempo com a presença de matéria e energia nele, mas ela cria uma confusão: que tecido é esse? O espaço não é o nada? Como o nada pode se curvar?

O que se curva são as próprias leis da geometria. Num espaço plano, os ângulos de um triângulo somam 180 graus. Num espaço curvo, podem somar mais (ou menos). E a luz é exatamente o que esquadrinha essa geometria. Quando ela faz uma curva, na verdade está andando em linha reta, mas num espaço curvo.

Einstein não demorou para perceber isso. O difícil foi encontrar a matemática adequada para descrever o raciocínio em termos de números e predições observáveis. 

Passaram-se oito anos até ele descobrir que a resposta estava no trabalho do matemático Georg Riemann. 

Então, imagine o Sol, o maior astro do nosso sistema e campeão local de gravidade. Se a gravidade nada mais é que uma curva no espaço, a luz que passar rente a ele, vindo de estrelas distantes, sofrerá um pequeno desvio, o que, por sua vez, fará com que a estrela pareça estar fora de sua posição normal no céu.

Mas o Sol é brilhante demais para que alguém possa ver o fundo de estrelas em seus arredores. A exceção é quando a Lua encobre o disco solar.

Einstein calculou que a luz das estrelas de fundo nos arredores do disco solar seria defletida em 1,75 segundo de arco, uma medida equivalente a modesto 0,00048 grau. 

Faltava apenas encontrar um eclipse adequado para a observação. Em 1918, Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional (ON), no Rio de Janeiro, percebeu que uma ótima chance de testar a teoria viria com o eclipse de 29 de maio do ano seguinte. A faixa de totalidade cruzaria a América do Sul e chegaria até a África, durando 6 minutos e 51 segundos.

Morize enviou o alerta a várias organizações do mundo, e os ingleses da Sociedade Real Astronômica, liderados por Eddington e Dyson, se interessaram. A equipe do ON ofereceu apoio logístico para uma expedição enviada a Sobral, comandada por Charles Davidson e Andrew Crommelin, e Eddington lideraria a o time que iria à ilha do Príncipe.

“Eram equipamentos grandes, o maior dos telescópios tinha 8 metros [de comprimento]”, diz Carlos Veiga, astrônomo do Observatório Nacional que coordenou a digitalização das placas fotográficas feitas pelos astrônomos brasileiros, em celebração ao centenário do eclipse.

Na África, o tempo nublado atrapalhou. Em Sobral, amanheceu nublado, mas o céu acabou abrindo e às 8h55 estava tudo pronto para observar. 

“Eles ajustaram o foco do telescópio de madrugada e, pela manhã, com o aumento de temperatura, dilatação térmica, saiu de foco”, diz Veiga. “E o maior de todos os desafios: tinham pouco mais de cinco minutos para registrar durante a totalidade, então foi uma loucura, uma correria.”

Os pesquisadores esperavam observar até 13 estrelas com o telescópio maior. Mas a qualidade das imagens deixou a desejar, e tiveram de contar com os dados do menor, que registraram apenas seis ou sete estrelas. 

Ainda assim, os pesquisadores concluíram que Einstein estava certo. O resultado se tornou manchete no mundo todo e alçou o físico alemão ao status de grande estrela da ciência. A observação de um novo eclipse, em 1922, sedimentaria as conclusões de 1919.

Em 1925, Einstein passou pela América do Sul. No Rio de Janeiro, declarou: “O problema que minha mente formulou foi respondido pelo luminoso céu do Brasil.”

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