Marcelo Gleiser explora as incertezas da ciência em novo livro

Físico se debruça sobre assuntos como a 'teoria de tudo' e a tentativa do ser humano impor ordem ao Cosmo

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São Carlos

Na curta lista de cientistas brasileiros que se comportam como intelectuais públicos, o físico carioca Marcelo Gleiser, 60, ocupa lugar de destaque. Com os ensaios reunidos em seu mais recente livro, ele procura deixar de lado o manto de mero advogado da ciência e se propõe a enxergar as complexidades e incertezas da visão científica do mundo.

Não, Gleiser não se bandeou para o Lado Esotérico da Força nem está oferecendo sessões de “coaching quântico” ou coisa que o valha, apesar do sabor vagamente bicho-grilo do título de sua nova obra, “O Caldeirão Azul”.

O que acontece é que, seguindo uma trilha já aberta em seus livros anteriores, o pesquisador do Dartmouth College (EUA) usa sua considerável habilidade literária para desconstruir a ideia de que a ciência seria capaz de produzir uma visão completa, definitiva e imutável da realidade.

Físico carioca Marcelo Gleiser
Físico carioca Marcelo Gleiser - Eli Burakian/Dartmouth College

“Agnóstico radical” talvez seja a definição mais adequada (e apropriadamente paradoxal) do autor dos ensaios – alguém que celebra a precisão e elegância do método científico, mas que, ao mesmo tempo, aponta suas limitações filosóficas, práticas e éticas. Gleiser também se mostra, ademais, um pluralista, atento a aspectos da experiência humana que não se prestam com tanta facilidade à investigação racional, e ao potencial de reverência e abertura ao mistério que corresponde a boa parte do fascínio da própria ciência.

Tais assuntos predominam na primeira parte de “O Caldeirão Azul”, coletânea que reúne textos originalmente publicados nesta Folha e em publicações americanas, como o site da National Public Radio e a revista Orbiter.

“O tema que conecta todos os meus escritos é simples: vejo a ciência como produto da nossa capacidade de nos maravilhar com o mundo a cada vez que nos engajamos com o mistério da criação. Na sua essência, encontramos o mesmo ímpeto que move o espírito religioso”, escreve ele no prólogo do livro.

Essa perspectiva provavelmente ajudou o físico brasileiro a vencer a edição deste ano do Prêmio Templeton, principal láurea internacional dedicada ao diálogo entre ciência e espiritualidade. (Gleiser já colocou em prática o que prega participando de um debate amistoso com figuras como o cardeal italiano Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho de Cultura.)

Os ensaios mais reveladores e originais, no entanto, são aqueles nos quais Gleiser investe contra visões que se tornaram, ao menos para algumas pessoas, dogmas não oficiais da ciência.

Ele desmonta metodicamente, por exemplo, a ideia de que seria possível chegar uma “teoria de tudo” que unificasse todos os fundamentos da estrutura do Universo. Em primeiro lugar, aponta Gleiser, os níveis de explicação científica que valem para, digamos, o mundo das partículas subatômicas não são aplicáveis de forma direta aos seres vivos ou a estruturas maiores. Conforme transitamos de um nível para outro, propriedades insuspeitas emergem.

Além disso, nada garante que a busca por elegância e simplicidade matemáticas que guiou muitos físicos até hoje não seja, no fundo, preconceito humano, a tentativa de impor ao Universo algo que só existe como estrutura mental do Homo sapiens. Talvez o Cosmos não seja tão simétrico e ordenado assim ou, como sugere o físico, talvez a tensão entre simetria e desordem é que seja a responsável por tornar a realidade tão especial.   

Essa mesma ambição totalizadora talvez esteja por trás da crença “científica” na inexistência do livre-arbítrio (afinal, se regras estritas determinam todos os eventos do Universo, não haveria, no fundo, escolha alguma) ou no sonho de alcançar a imortalidade ou de criar máquinas com inteligência muito superior à humana.

Gleiser volta seu ceticismo contra essas perspectivas, que sugerem uma mistura curiosa de impotência e desejo de onipotência, apontando que ainda estamos muito distantes de compreender a natureza da mente e da consciência humanas. Simulá-las ou superá-las, portanto, ainda está longe de ser um futuro inevitável.

Faz mais sentido celebrar e proteger o milagre improvável da consciência humana como a conhecemos, com todas as imperfeições que ela carrega.

Nesta terça (9), Gleiser fará uma palestra na Casa Firjan, no Rio de Janeiro, e, na quarta (10), no Espaço Unibes, em São Paulo. Em seguida, haverá sessão de autógrafos.
 

O Caldeirão Azul: O Universo, O Homem e Seu Espírito

  • Preço R$ 36 (ebook); 224 págs
  • Autor Marcelo Gleiser
  • Editora Record
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