Ilha na Antártida liberada para turismo tem DNA de fungos, cebola e Cannabis

Pesquisadores coletaram amostras do solo dessa região e compararam com outra que é protegida

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Antártida

Uma ilha na Antártida, localizada na cratera de um dos vulcões mais ativos do continente, tem funcionado como laboratório sobre o impacto que o turismo pode trazer ao arquipélago das ilhas Shetland do Sul.

Localizada a 152 km em linha reta da estação brasileira Comandante Ferraz, a ilha Deception tem uma área destinada a turistas, chamada de Whalers Bay, onde há águas termais vulcânicas. Cruzeiros de navio por lá chegam a custar cerca de US$ 25 mil.

Pesquisadores dos projetos Bryoantar e Mycoantar, que estudam plantas e fungos, respectivamente, na Antártida, coletaram amostras do solo dessa região e compararam com outra, na mesma ilha, que é protegida e só acessada com licenças especiais.

Onde há turismo liberado foi encontrado, por meio de sequenciamento genético dessas amostras, DNA de plantas como a Cannabis sativa, cebola e uva. No lado protegido, nada disso foi achado.

“Não quer dizer que tenha o pé dessas plantas, mas pode ser que elas tenham sido introduzidas lá por meio de pólen [trazido pelo vento] ou da comida, do cabelo ou do sapato de turistas”, diz o botânico Paulo Câmara, professor da UnB (Universidade de Brasília) que pesquisa plantas na Antártida.

Nessa técnica chamada de metagenômica, os pesquisadores coletam amostras do solo, da neve ou do ar.

No laboratório da Estação Comandante Ferraz, elas passam por reações químicas que possibilitam a extração do DNA das células, seguido de sequenciamento genético. Por fim, são comparadas com material genético existente em bancos de dados.

Com a mesma técnica, o microbiologista Luiz Rosa, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), também conseguiu identificar DNA de fungos introduzidos na ilha Deception, na parte liberada para o turismo.

“Na área com turistas, detectamos fungos que causam doenças oportunistas em humanos porque resistem a várias temperaturas. Em Whalers Bay, elas variam de 100°C a 0°C. Esses fungos crescem nesse ambiente.”

Os que mais chamam atenção são algumas espécies do gênero Aspergillus, que podem infectar o homem. As manifestações clínicas incluem infecções subcutâneas, reações de hipersensibilidade (aspergilose alérgica) e doença pulmonar (aspergilose pulmonar), que pode afetar pessoas imunodeprimidas.

“Nesse tipo de turismo de cruzeiros em Deception, há muitos idosos que ficam nas piscinas naturais como se fossem banheiras quentes. O frio afeta o sistema imune e as pessoas ficam mais suscetíveis a doenças que podem ser causadas por esses fungos oportunistas”, explica Rosa.

Segundo ele, foram encontrados Aspergillus que crescem a uma temperatura de 37°C, a temperatura corporal humana.

“Esse é o primeiro requisito para falar que um fungo é patogênico de humanos. Você pode pensar que na Antártica é muito frio, mas o fungo está lá. Cresce a 5°C, a 10°C, a 25°C e a 37°C”, afirma.

Segundo o microbiologista, os turistas tanto podem trazer essas espécies de fungo como podem ser infectados por aquelas que já estão circulando na ilha, caso o sistema autoimune esteja comprometido.

A partir desses achados, os pesquisadores vão monitorar o impacto ambiental na região. A Antártida é o lugar que mais aquece no planeta, então é possível que no futuro essas espécies invasoras tanto de fungos como de plantas se estabeleçam no continente, substituindo as nativas.

“Precisamos saber se aquilo que está chegando foi introduzido pelo homem, se a pessoa foi lá e plantou um pé de jaca ou se a planta chegou naturalmente [pelo vento, por exemplo] e merece estar ali.”

Isso só é possível com esse tipo de monitoramento, a partir dessa assinatura molecular que vai dizer de onde a planta ou o fungo veio.

Segundo Câmara, o trabalho também poderá servir de subsídio para futuras políticas públicas sobre o manejo de áreas de conservação, incluindo autorizar ou vetar o turismo nessas regiões antárticas.

Hoje, existe uma associação que regula o turismo antártico, mas o controle é difícil. “Não existe nada que impeça um navio de trazer turistas, não tem como prender alguém que não tenha autorização”, diz o pesquisador.

A repórter Cláudia Collucci viajou à Antártida a convite da Marinha do Brasil

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