Como herói de Star Wars, verme sobrevive a congelamento em metal

'Prisão em metal' no estilo Han Solo, experimento da USP de Ribeirão Preto abre possibilidades biomédicas para conservação de órgãos para transplantes

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São Carlos (SP)

Pesquisadores brasileiros resolveram submeter um dos organismos mais resistentes da Terra a um desafio inspirado na ficção científica. O que aconteceria se a criatura em questão —um verme de cerca de 1 mm de comprimento— fosse mergulhada em metal derretido, o qual depois se solidificou?

O minúsculo Panagrolaimus superbus teve desempenho soberbo diante desse suplício. Quando a prisão metálica foi derretida novamente, simplesmente “ressuscitou” e voltou a se reproduzir.

A equipe da USP de Ribeirão Preto que realizou os experimentos documentou o feito do P. superbus em artigo na revista científica Journal of Nematology. Tiago Campos Pereira, Danyel Fernandes Contiliani e seus colegas demonstraram que o animal, do grupo dos nematoides, conseguiu passar uma semana incrustado no bloco de metal e, depois de ser retirado do estado de “animação suspensa”, não apresentou quaisquer problemas quando comparado a membros da espécie que não enfrentaram situação semelhante.

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Han Solo, em cena de "Star Wars" - Divulgação

Em suas redes sociais, Pereira apontou as semelhanças entre o processo em laboratório e o que acontece com Han Solo, herói da série “Star Wars” interpretado por Harrison Ford, no filme “O Império Contra-Ataca”. No cinema, Solo é capturado pelo vilão Darth Vader e “congelado” numa placa de carbonita (substância fictícia, aparentemente feita a partir de dióxido de carbono).

“Esses organismos já passaram por testes envolvendo os mais variados tipos de estresse ambiental”, explicou o pesquisador à Folha por telefone. “A nossa intenção era ir ao limite disso.”


No lugar da inexistente carbonita, a equipe da USP decidiu empregar o gálio, metal prateado que tem uma série de propriedades interessantes, a começar pelo fato de que ele derrete a temperaturas de apenas 30 graus Celsius. Ou seja, era possível derramar gálio derretido (a 50 graus Celsius) sobre o P. superbus sem fritar o verme e ainda assim, em temperatura ambiente, garantir que o nematoide estivesse encerrado numa “jaula” de metal sólido. ​

O outro segredo responsável pela mágica é o fato de que, dependendo das condições ambientais, o verme é capaz de adotar uma estratégia de sobrevivência conhecida como anidrobiose. Nesse estado de animação suspensa, comum durante fases de seca, nematoides e outros organismos perdem quase toda a água de seus corpos e “congelam” seu metabolismo. É como se um ser vivo se transformasse temporariamente num cristal.

“Se, durante a anidrobiose, eles realmente não têm metabolismo nenhum, então seria possível confinar os vermes numa estrutura que bloqueasse totalmente o acesso ao oxigênio e à umidade do ar, que foi o que nós fizemos”, conta Pereira.

Alguns detalhes do experimento mostram isso com clareza. Depois de induzir a anidrobiose dos nematoides, os pesquisadores dividiram os animais em animação suspensa em diversos grupos. Um dos que ficaram presos no gálio estava sob condições de baixa umidade relativa do ar, enquanto outro estava num ambiente com elevada umidade relativa.

Se a umidade fosse capaz de atravessar a prisão metálica no segundo caso, os bichos seriam reidratados e morreriam —simplesmente porque não sobreviveriam ao metal se não estivessem ressecados e em animação suspensa. Mas isso não aconteceu, o que demonstra que, de fato, praticamente nada atravessava o gálio.

O experimento, além de trazer dados novos sobre os “superpoderes” dos nematoides, também abre possibilidades biomédicas no futuro distante, explica o pesquisador da USP. Um dos motivos do interesse científico pela anidrobiose é que, ao entender como os vermes ressecam seu organismo e ainda assim são capazes de “ressuscitar”, seria possível, em tese, aplicar mecanismos similares para a preservação de longo prazo de órgãos e tecidos para transplante, que hoje dependem de condições controladas e caras de resfriamento para serem transportados.

“Imagine transportar um coração ou outro órgão dessecado: ele poderia sofrer danos estruturais por choque. Um bloco metálico envolvendo anatomicamente o órgão ajudaria a protegê-lo”, diz Pereira.

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