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Quarto Nobel de Física para uma mulher expõe funil e desigualdade nas exatas

A americana Andrea Ghez foi uma das cientistas laureadas nesta terça (6) por suas pesquisas sobre buracos negros

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São Paulo

A premiação de uma mulher entre os três cientistas laureados pelo Prêmio Nobel de Física nesta terça (6) traz de volta ao debate um assunto que vira e mexe colocamos debaixo do tapete: a desigualdade de gênero nas ciências —sobretudo nos cargos de topo e nas condecorações.

A americana Andrea Ghez dividiu nesta terça (6) a maior honraria da academia mundial com o alemão Reihard Genzel e com o britânico Roger Penrose por suas pesquisas relacionadas a buracos negros. É a quarta mulher laureada pelo Nobel de Física desde que a premiação foi criada, em 1901.

A boa notícia é que, com o Nobel deste ano, os intervalos entre as premiações femininas em física caíram de maneira significativa. Mais de meio século separaram os prêmios de Marie Curie (1903), de Maria Goeppert-Mayer (1963) e de Donna Strickland (em 2018). Dessa vez, não tivemos de esperar até 2070 —ou mais —por uma nova agraciada mulher.

Estamos longe, no entanto, de um respiro aliviado. Dentre as ciências, a física segue com a menor quantidade de pesquisadoras premiadas com o Nobel. Na sequência figuram química (com sete mulheres com Nobel ao todo —duas delas laureadas em 2020, por suas pesquisas com o Crispr, uma técnica de edição genética) e medicina (com 12).

A área só perde para matemática. A iraniana Maryam Mirzakhani foi a única laureada até hoje com a Medalha Fields, o "Nobel da Matemática", concedido a cada quatro anos. Ela ganhou em 2014, na mesma edição em que o brasileiro Artur Ávila foi premiado. Faleceu precocemente três anos depois.

A ínfima quantidade de mulheres entre as agraciadas pelo Nobel em ciências, e mais especificamente em física, reflete, claro, a baixa participação delas na academia — inclusive no Brasil.

Dados da Academia Brasileira de Ciências (ABC) mostram que as mulheres representam menos de 13% de quem tem bolsa de pesquisa em física da agência federal CNPq. É uma espécie de "salário" recebido por cientistas na graduação ou na pós.

A tesoura, na verdade, começa a cortar antes do curso de física. Estudos importantes na área de gênero mostram que a escola, os brinquedos e muitos aspectos culturais vão afastando as meninas das ciências. Para entender isso, basta fechar os olhos e imaginar um cientista —você provavelmente conceberá a imagem de um homem (branco), mas não de uma mulher.

Estudos que pedem que crianças e jovens desenhem cientistas, sem explicitar gênero na tarefa, mostrou que as mulheres têm aparecido mais nessas ilustrações. Nos anos 1960 e 1970, só havia homens nos desenhos. De 1980 em diante, 3 em cada 10 participantes desenharam figuras femininas como cientistas. As crianças mais jovens, especialmente as meninas, apresentavam maior probabilidade de desenhar cientistas mulheres, segundo o relatório pesquisa publicada na revista Child Development.

Entre os estudantes de idade mais alta, porém, a proporção de desenhos representando cientistas como homens sobe, o que pode refletir o fato de que as crianças aprendem estereótipos sobre cientistas à medida que crescem.

Dentre as mulheres que insistem nas ciências, boa parte fica pelo caminho: desistem do curso ou, mais tarde, da carreira porque acabam ficando sozinhas e, muitas vezes, isoladas. Há relatos de alunas de física que se mantêm em silêncio na sala de aula para que não sejam notadas.

Não dá para estudar assim. E, muito menos, dá para concorrer a cargos e a prêmios importantes.

O efeito desse telhado de vidro, muito trabalhado nos estudos de gênero, é visível nos números: no Brasil, a quantidade de mulheres entre os membros titulares da ABC na área de física cai para mirrados 4%.

Uma delas é a pesquisadora Márcia Barbosa (UFRGS). Voz atuante no debate sobre desigualdade de gênero em ciências no país, ela trata do tema por onde passa como quem repete um mantra. Isso tem contribuído para manter o assunto na pauta da academia — e pode, sim, impactar premiações.

O Nobel, por exemplo, recebe indicações de nomes para a honraria. "O fato de haver uma preocupação generalizada com gênero pode fazer com que cientistas, ao pensar em indicar alguém brilhante, também se lembre de mulheres brilhantes", diz Barbosa.

Isso é importante porque muitas mulheres são esquecidas inclusive nas pesquisas das quais participaram. O caso mais clássico é de Rosalind Franklin, que descobriu o formato helicoidal do DNA e acabou de fora do artigo científico sobre o tema.

A descoberta dela, aliás, também rendeu prêmio, mas não para ela. Em 1962, seus colegas homens James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins receberam o Nobel de Medicina.

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