Descrição de chapéu genética

Cientistas criam 'embriões simulados' com poucos dias de vida em laboratório

Feito promete ajudar a entender melhor o desenvolvimento embrionário, mas também gera debate ético sobre a natureza dessas estruturas

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São Carlos (SP)

Dois grupos diferentes de pesquisadores desenvolveram uma receita bioquímica capaz de transformar células de pessoas adultas em estruturas muito semelhantes a embriões com poucos dias de vida. O avanço promete ajudar a entender aspectos fundamentais do desenvolvimento embrionário e da gravidez na nossa espécie, mas também gera um complexo debate ético sobre a natureza de tais estruturas celulares, ainda que elas não pareçam capazes de se transformar em fetos viáveis.

Dados detalhados sobre o feito estão em artigos na edição desta semana da revista científica Nature, uma das mais importantes do mundo. Os “embriões simulados” receberam o nome de blastoides —por analogia com os blastocistos, como são conhecidos os embriões verdadeiros com cerca de uma semana de vida. Nessa fase, eles têm um décimo de milímetro de diâmetro e poucas centenas de células organizadas em camadas, cujas características os pesquisadores estão tentando imitar.

A human blastocyst, day 5 of conception
Blastocisto humano - Harimiao/Creative Commons

Usando técnicas ligeiramente diferentes, equipes lideradas pelo argentino José Polo, da Universidade Monash, na Austrália, e pelo chinês Jun Wu, da Universidade do Texas (EUA), adaptaram o que já se sabe sobre a capacidade de transformar células adultas em versões mais “primitivas” para cultivar seus blastoides.

Com efeito, esse tipo de truque se tornou relativamente comum nas últimas décadas, sendo dominado por cientistas do mundo todo. Tais técnicas se baseiam num pressuposto simples: a maioria das células do organismo possui o mesmo material genético, um “livro de receitas” escrito com o alfabeto do DNA que está presente desde que o óvulo foi fecundado pelo espermatozoide.

A célula inicial que surgiu dessa união já continha todas as instruções necessárias para construir o organismo inteiro. Se esse mesmo DNA ainda está presente em muitas das nossas células, isso significa que, ao menos em tese, é possível reconstruir a totalidade do corpo a partir de qualquer uma delas.

Foi com base nesse princípio que a clonagem de mamíferos foi desenvolvida a partir dos anos 1990, começando com a célebre ovelha escocesa Dolly. Mas os cientistas descobriram que nem era necessário produzir clones. Ao perceber que a mera ativação de certos genes (grosso modo, trechos funcionais do DNA) era suficiente para levar células adultas a regredir a um estado muito próximo do embrionário, os pesquisadores passaram a empregá-las para estudar os mais diversos aspectos do desenvolvimento. A ideia é que, no futuro, a mesma técnica ajude a produzir tecidos sob medida para transplantes e outras terapias.

Durante muito tempo, o interesse maior era criar células que correspondessem às que existem na chamada MCI (massa celular interna) dos blastocistos. São essas as responsáveis por construir o embrião propriamente dito e que conseguem dar origem a qualquer parte do corpo, do coração ao cérebro.

Ocorre, porém, que as células do blastocisto também dão origem à placenta e outras estruturas acessórias, essenciais para que o embrião se implante no útero materno e se desenvolva corretamente.

Desta vez, tanto a equipe de Polo quanto a de Wu, ativando alguns dos genes já utilizados amplamente para reprogramar células adultas, conseguiram cultivar estruturas muito semelhantes aos blastocistos em recipientes especiais.

Tanto a forma quanto as características bioquímicas dos blastoides criados pelos dois grupos lembram muito a das várias camadas dos embriões verdadeiros. Há, no entanto, algumas diferenças: os blastoides também contêm algumas células com características próprias, as quais não estão presentes nos blastocistos naturais. Com base nesse e em outros detalhes, bem como no que se sabe a partir do desenvolvimento de estruturas semelhantes com células de camundongos, “é improvável que os blastoides tenham potencial pleno de desenvolvimento embrionário”, diz Martin Johnson, professor emérito de ciências reprodutivas na Universidade de Cambridge, que comentou o estudo a pedido da revista Nature.

Mesmo assim, os pesquisadores deixaram claro que, por enquanto, não pretendem ultrapassar a chamada regra dos 14 dias, limite hoje adotado pelos cientistas para pesquisas com embriões humanos reais (os quais só podem ser utilizados até essa idade). Os blastoides seriam úteis para estudar problemas do início do desenvolvimento embrionário e de infertilidade, e também como plataforma de teste de medicamentos, já que podem ser criados sob medida, a partir das células de determinado paciente, com o mesmo material genético dele. ​

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